ÉTICA NO ENSINAMENTO E NA PRÁTICA DE JESUS
- Antonio de Oliveira
- 28 de dez. de 2018
- 10 min de leitura
Atualizado: 4 de ago. de 2023

O presente texto tem como objetivo compreender o significado do vocábulo ética, estudar o termo e suas aplicações no contexto neotestamentário a partir dos ensinamentos e prática de Jesus nas comunidade do primeiro século.
Conceito de ética
A palavra ética expressa a existência do mundo grego que permanece presente na nossa cultura. Esse vocábulo deriva do grego e tem duas palavras que servem de raiz para compreender o vocábulo ética. έθος (éthos), com a letra inicial épsilon, pode ser traduzida por: hábito ou costume, vale dizer, aquela “disposição interior”, que leva o indivíduo, com uma certa constância do agir, a compartilhar da comunidade social a que pertence. Olhado, desse modo, o éthos, seja na dimensão do “costume”, seja na dimensão do “hábito”, cria um espaço para a realização individual e social do ser humano (VAZ, 1993).
Já ήθος (êthos), iniciando com êta, significando morada, abrigo dos animais, fundamento da ação, modo de ser. Para não se perder no ilimitado do espaço que o circunda e envolve, o ser humano precisa construir uma morada, na qual possa proteger-se tanto contra as intempéries da natureza, quanto contra as ameaças e hostilidades do meio ambiente e dos outros homens com os quais partilha a aventura do existir (ROCHA,2007). Esse modo ser permite que os seres morem/habitem nesse mundo.
Nesse caso, a dupla significação da palavra ética, vale dizer, o éthos hábitos/costume e o êthos habitar/morada, abre um espaço, no qual o ser humano, para tornar seu mundo mais habitável, cria as formas simbólicas, através das quais as coisas materiais, ou as realidades da natureza, são integradas ao sistema simbólico da cultura. Assim sendo, pode-se inferir que o campo da ética tem a ver com as condições que permitem, por meio de nosso agir, a edificação e preservação de nossa verdadeira residência no mundo como seres inteligentes e livres (VAZ, 1993). Isso significa que os hábitos (éthos) dos seres vivos permitem a eles criarem o seu habitar (êthos).
Bases do pensamento e cultura Ocidental
Como se formou essa tradição ocidental da qual fazemos parte? Por que dizemos que nosso mundo é ocidental? De onde vem esse pensamento? Como entender a relação entre o cristianismo, que é uma religião, e a filosofia grega, que havia rompido com o pensamento mítico e religioso e se pautava na racionalidade? A cultura ocidental resultou da articulação entre dois sistemas de pensamento: a cultura greco-romana e a cultura judaico-cristã (e o que acabou se difundido no mundo é o cristianismo). Ambas foram fundamentais para a elaboração da ideia de política, religiosa, social no período medieval, influenciada, sobretudo, pelo cristianismo. Desde o momento que o apóstolo Paulo, prega o cristianismo palestino ensinado por Jesus, e espalha por todo império romano. E depois por meio das colonizações o cristianismos se espalha por diversas partes do mundo ocidental.
A ética de Jesus
Como Jesus vai trabalhar a suas ações/práticas? Questões éticas de Jesus? Pode-se observar na narrativa neotestamentária, que a ética de Jesus é apresentada como uma superação da ética judaica da Torá: sua interpretação da Torá tê-la-ia abandonado, ele a teria suprimido nas antíteses, teria superado sua casuística, criticado sua mentalidade retributiva etc. No entanto, somente a partir da perspectiva dos cristão posteriores, que há muito se tinham afastado do judaísmo, é que Jesus pode ser percebido dessa forma, como um contraste ao judaísmo. Haja vista que, no contexto de seu próprio tempo, sua ética pertence ao judaísmo. Assim como Jesus, com a historização do mythos intensifica traços básicos da religião judaica, da mesma maneira com a radicalização da ética (THEISSEN,2009).
De acordo com Gerd Theissen (2009), no primeiro século da era cristã, o judaísmo era uma religião ritual. Comportamento simbólicos preestabelecidos perpassam o dia-a-dia, direcionam-no para Deus, fazem lembrar dele e de sua presença. Por traz disso acha-se uma admirável intensão de penetrar tudo na vida com sua presença e também de elevar pequenos gestos simples à categoria de uma liturgia/rituais. A esse propósito o judaísmo nos dia de Jesus, cristalizam-se em algumas formas de procedimentos rituais como sinais identificadores: circuncisão, regras alimentares e observância sabática. Além desses tem: a prática de dar o dizimo, os jejuns, que são os lavarem as mãos, os banhos litúrgicos, o banho tem um processo de purificação, da retirada da impureza, do pecado e um processo de santificação (JEREMIAS,1983).
No texto segundo escreveu Marcos no capítulo três, Jesus intensifica os deveres éticos e abranda os deveres litúrgicos/rituais, isto é, ele são mais importantes que os deveres litúrgicos e rituais. Para Jesus, os deveres éticos são mais importante que os deveres litúrgicos e rituais:
1 E outra vez entrou na sinagoga, e estava ali um homem que tinha uma das mãos mirrada. 2 E estavam observando-o se curaria no sábado, para o acusarem. 3 E disse ao homem que tinha a mão mirrada: Levanta-te e vem para o meio. 4 E perguntou-lhes: É lícito no sábado fazer bem ou fazer mal? Salvar a vida ou matar? E eles calaram-se. 5 E, olhando para eles em redor com indignação, condoendo-se da dureza do seu coração, disse ao homem: Estende a mão. E ele a estendeu, e foi-lhe restituída a mão, sã como a outra. 6 E, tendo saído os fariseus, tomaram logo conselho com os herodianos contra ele, procurando ver como o matariam. (Marcos 3:1-6).
Em primeiro lugar, quem estava observando? Aqui vamos colocar que seriam os fariseus e escribas - que estavam mais preocupados com a guarda do sábado - então eles estão observando a atitude de Jesus. Qual a preocupação deles, será que Jesus vai guardar o sábado? O sábado por ser o dia do descanso, o dia do Senhor, o dia em que o culto era dedicado a Deus - algumas ações não deveriam ser feitas, entre elas: A cura de pessoas que não estariam a beira da morte. Na lógica dessas pessoas (fariseus, escribas): poderia ajudar uma pessoa que estivesse à beira da morte, mas um homem com a mão mirrada não está à beira da morte, isto é, ele poderia esperar mais um dia.
Então eles observam se Jesus vai de fato curar no Sábado para o acusarem – Então Jesus perguntou para os escribas e fariseus: É lícito no sábado fazer bem ou fazer mal? Salvar a vida ou matar? E eles calaram-se. Jesus pergunta para eles: (Coloca eles em uma sai justa) Posso curar no sábado? Posso fazer o bem ou devo fazer o mal sábado? Posso salvar vida ou matar no sábado? Eles calaram-se.
Jesus cura no sábado, ele desrespeitou uma lei litúrgica - a questão para Jesus é: fazer o bem, curar - não é um ato de amor, de bondade, de misericórdia e de justiça? Jesus curando no sábado, Ele está intensificando uma lei ética, um dever ético que tem a ver com a misericórdia, bondade, justiça e amor de Deus.
Jesus estar abrandando guardar o sábado. Jesus não desprezava o sábado, mas a lei litúrgica para Jesus tem que estar subordinada aos deveres ética. Para Jesus a pessoa só cumpre o dever litúrgico, se ele não se contrapor aos valores éticos (praticar a bondade, justiça, misericórdia, amor, etc.).
Jesus e religiosos que desprezam a ética
No texto escrito por Mateus Jesus diz: Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer essas coisas e não omitir aquelas. (Mateus 23:23).
Quem era os escribas e fariseus? Escribas Judeus - eram também doutores, ou mestres, da Lei. Além de copiar os textos sagrados, eles se dedicavam à interpretação e aplicação da Lei de Moisés. Já os fariseus - eram um grupo de judeus muito religiosos, que se dedicavam a obedecer a toda a Lei de Deus e a interpretar corretamente as Escrituras (Antigo Testamento). Jesus declara que eles são hipócritas (são falsos) - vocês dizimais a hortelã, o endro e o cominho – Jesus declara para eles, que eles valorizam mais as leis litúrgicas/rituais (eles dão o dízimo das menores coisas do gênero alimentício da época), desprezai o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia, a fé e o amor de Deus.
Porque Jesus vai intensificar os deveres éticos e abrandar deveres cúlticos-rituais?
Os deveres éticos são inclusivos – o amor, a misericórdia, a bondade, e a justiça inclui as pessoas (essas qualidade une as pessoas). Os deveres litúrgicos e rituais rígidos são excludentes, pois, quanto mais restrita a norma, menos pessoas podem cumpri-la. E as pessoas que não cumpria os deveres cúltico - rituais eram impuros e desprezados socialmente, e eram jogados para marginalidade socialmente religiosa. Por exemplo: os deveres de pureza impossibilitava aos pobres a santidade (lavar as mãos, os braços, rituais de limpeza).
A refeição para o judeus era um espaço sagrado, as pessoas antes da refeição deveriam se purificar para isso, e comer com pessoas puras. Jesus anda com os pobres, come com os pecadores. Em Lucas 15:1-32 , chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles.
Nessa perícope, Jesus escolhe três tipos de pessoas que os fariseus desprezavam: Uma mulher - as mulheres, pessoas sem qualquer valor naquela época (cultura patriarcal); um pastor - eles eram considerado uma classe pobre e desprezível e o pai que perdoa o filho, apesar de este ter desperdiçado a sua fortuna, algo improvável para os fariseus.
O fato de Deus ter sido apresentado nesses termos chocava a teologia dos fariseus e trazia à tona seu preconceito religioso. Se nós perguntássemos: quem se importa? a resposta que ecoa nessa narrativa é: Deus importa. Resumidamente o assunto das três parábolas é que Deus se importa com os: cobradores de impostos, com os pobres, com os pecadores, com os drogados, com os mendigos, com os enfermos, com os alcoólatras, com as mulheres, com os rejeitados e que salvá-los.
Pode-se observar que para Jesus, os deveres éticos rígidos são inclusivos. Assim, pode-se inferir que o seu objetivo é: corrigir a teologia dos fariseus e mudar o conceito errado que eles têm de Deus. (Os deveres litúrgicos e rituais rígidos são excludentes). A moeda perdida, a ovelha perdida e o filho longe de casa representam uma perda, que é uma figura do pecador perdido. Nesse texto, Jesus objetiva desafiar os fariseus, mostrando-lhes que possuem uma visão errada do perdido. Para Jesus a pessoa só cumpre o dever litúrgico, se ele não se contrapor aos valores éticos (praticar a bondade, justiça, misericórdia, amor, etc.).
Subordinação dos mandamentos
No Evangelho Segundo Escreveu Marcos 12:28-31, Jesus ao ser indagado por um dos escribas, acerca do principal de todos os mandamentos. Jesus respondeu: o principal é: (...) Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.
O escriba, (um teólogo, doutro da lei/pastor faz uma pergunta para Jesus): Qual é o primeiro de todos os mandamentos? E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.... (...) Jesus declara que o primeiro mandamento é: Amar a Deus. (Confira Levítico 19:18 – amor ao próximo - e Deuteronômios 6:5 amor a Deus).
Jesus, afirma que todos os demais mandamento estão subordinados a: amar a Deus e amar o próximo. Se cumprir todos os rituais religiosos (circuncisão, dizimar, purificação, guarda do sábado, etc.) - se eu não estender a fronteira do amor para acolher a todos que necessitam e que sofrem de nada adiantou os mandamentos rituais. Jesus declara, se eu não usar do amor para ser: justo, misericordioso, bondoso e etc., de nada adiante os mandamentos e seguir todos os deveres litúrgicos/rituais. Jesus afirma que os valores éticos estão acima dos deveres litúrgicos/rituais.
Jesus e a intensificação do amor ao próximo
Em Jesus, o amor a Deus e amor ao próximo se intensificam em:
Primeiro - amor ao pecador, ao impuro, de quem devia-se manter distância - Lucas 7:36-50. Pode-se observar que Jesus, levar o mandamento ético do amor à um extremo que ninguém no contexto judaico tinha levado. Como Jesus radicaliza isso: amor ao pecador, amor ao impuro, de quem se devia manter a distância. No judaísmo neotestamentário, admitia o amor ao próximo, mas havia no judaísmo uma tendência de que próximo seria um outro judeu. Jesus vai radicalizar, ele pega esse amor ao próximo e vai dizer que o próximo é o pecador. Quem é o pecador? O pecador poderia ser um não judeu. Por que todos que não eram judeus eram considerados pecadores. Quem é pecador? Quem é impuro, o empobrecido, o não judeu, alguém que não está em deveres de cumprir os rituais litúrgicos.
Segundo - amor ao estranho mais odiado, o samaritano – Lucas 10:25-37 - 25 E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? 26 E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? 27 E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo. 28 E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso e viverás. 29 Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?
Um sujeito é assaltado e ficou caído, em seguida passa um:
Sacerdote - mas preocupado com os rituais religiosos, ele não usa de misericórdia e não ajuda a pessoa que está caída.
Levita - e preocupado com o culto e com os deveres religiosos, deveres litúrgicos , eu vou me atrasar para o trabalho religioso, não ajuda a pessoa que está caída.
Samaritano - quem era o samaritano? Era categoria que os judeus na época de Jesus mais odiava. Porque os samaritanos eram uma dissidência do judaísmo. Os samaritano eram aqueles que romperam com o judaísmo.
Só que na parábola de Jesus, o samaritano passa e ajuda o homem caído, leva para o hospital, paga, e ainda deixa dinheiro de sobra e se faltar depois ele pagará.
Jesus, pergunta para o doutor da Lei, quem foi o próximo nessa história? O doutor da lei responde: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai e faze da mesma maneira. Ao invés de ficar preocupado como os deveres litúrgicos e rituais como o sacerdote e o levita fizeram e não ajudaram o próximo. O cristão tem que ajudar a pessoa que está caída, a pessoa que estar precisando de ajuda e depois pode cumprir os deveres litúrgicos e rituais.
Era comum no judaísmo dizer ama a teu próximo, referindo-se a um judeu. Jesus radicaliza: o amor não tem fronteira - Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. Jesus levou os valores éticos a um ponto que ninguém no judaísmo tinha levado. Porque eu tenho que amar o inimigo – por que ele carece da misericórdia de Deus, e eu posso ser um instrumento de Deus, para conduzi-lo a Deus, por meio da misericórdia e não por meio deveres litúrgicos e rituais.
Referências bibliográficas
JEREMIAS, J. Jerusalém nos Tempos de Jesus: pesquisas de históriaeconômico‐social no período neotestamentário. São Paulo: Paulinas, 1983.
ROCHA, Zeferino. Ética, cultura e crise ética de nosso dias. São Paulo: Unicamp, 2007.
THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros Cristãos: Uma teoria do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulinas, 2009.
VAZ, Henrique C. de L. Escritos Filosóficos II - Ética e Cultura. São Paulo: Edições Loyola, 1993.
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