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A INCLUSÃO SOCIAL NAS COMUNIDADES CRISTÃS DOS EVANGELHOS.

  • Foto do escritor: Antonio de Oliveira
    Antonio de Oliveira
  • 21 de fev. de 2019
  • 18 min de leitura

Atualizado: 22 de fev. de 2019



O objetivo do presente artigo é descrever que os evangelhos segundo escreveu Mateus, Marcos, Lucas e João proporcionam informações acerca do contexto social, e de como viviam as primeiras comunidades cristã no primeiro século d.C. Com contexto social quer-se dizer e enfocar ainda que sucintamente o enredo entre a realidade socioeconômica e profissão de fé ou esperança de fé das primeiras comunidades cristãs. Uma vez que a Palestina judaica do século I d.C. era estratificada e marcada por profundos desequilíbrios sociais ameaçadores à convivência humana pacífica.


Os desequilíbrios sociais às vezes se traduziam em conflitos violentos. Esta realidade, não por último era produzida pela força imperial romana em colaboração com os beneficiados desta força, a aristocracia sacerdotal, centrada no complexo sistema do templo em Jerusalém. Esse fato causava resistência e revolta por parte da maioria sofredora desta realidade. Daí os conflitos sociais violentos daquela época se tornaram mais plausíveis. Aliás, dentro destas circunstâncias, conflitos sociais e esperança messiânica eram inseparáveis.


Para poder compreender o alcance e os possíveis limites socioeconômicos que a narrativa neotestamentária expõe, e ainda para compreender o que se dizer e a razão pela qual disse acerca da comunidade cristã e como ela vivia é necessário conhecer seu mundo concreto, humano, real, que é o que em boa medida determinou sua visão do mundo, seu horizonte conceitual acerca do mundo em que viviam e com quem se comunicavam (ARENS, 1998).


Portanto, para entender o contexto social das primeiras comunidades cristãs e como vivenciaram na prática o conceito de participantes da comunidade cristã, busca-se evidencias que tracem o perfil das pessoas que compunham estas comunidades. A inauguração destas primeiras comunidades com os discípulos de Jesus revela o caráter inclusivo do propósito de um reino “oniabrangente” (BOCH, 2009). Observa-se a clara indicação sucintamente no contexto social apresentado nos evangelhos e a construção de uma nova comunidade.


JESUS, E A COMUNIDADE ONIABRANGENTE NOS EVANGELHOS.

Na presente abordagem descreve-se de forma breve alguns dos aspectos relevante e fundamentais das classes sociais e da realidade social e religiosa da Palestina judaica do primeiro século d.C. Segundo CAMACHO (2003) a população da Palestina no primeiro século dividem-se em três camadas: a classe rica e poderosa, a classe média e os pobres: “À classe rica e poderosa pertenciam os príncipes e os membros da família real de Herodes, assim como os altos dignitários da corte, além das famílias da aristocracia sacerdotal e leiga, dos latifundiários, dos grandes comerciantes e dos cobradores de impostos. A classe média, muito reduzida, existia praticamente só em Jerusalém, já que as suas fontes de renda procediam do templo e dos peregrinos. Era formada pelos pequenos comerciantes, pelos artesãos proprietários de suas oficinas, pelos donos das hospedarias e pelo baixo clero. Já a classe pobre, que constituía a imensa maioria da população, pertencia os assalariados, tanto operários como camponeses, os pescadores, os inúmeros mendigos e finalmente, os escravos”. (CAMACHO, 2003).


A sociedade do primeiro século d.C. mostra uma mescla curiosa de consciência de classe e de mobilização social. Um grande abismo separava a classe abastada das massas pobres. Existia apenas um punhado de gente que conhecida como classe rica e poderosa e média, a maior parte dessa gente nas províncias. Na base da escala social, como em qualquer sociedade antiga, havias os escravos (BELL, 2001). Nessa complexa sociedade em que as pessoas vivem, dominada pelo legalismo, perturbada por tensões ideológicas, com graves problemas sociais e sujeita à dominação estrangeira, a figura de Jesus surge como a de um homem livre que não se deixa condicionar pelos preconceitos nem pelas circunstâncias de sua sociedade (CAMACHO, 2003).

Pode-se observar que a narrativa apresentada nos quatro evangelhos descreve Jesus em ação dinâmica. Onde mostra que ele “viveu em correlação com pobres, doentes, pecadores e expurgando e divulgando seu evangelho nessas relações” MOLTMANN (2009). Ele percorre os povoados, as vilas e ruas. Constatam-se algumas características no ministério de Jesus, onde mostra que Ele não estava preso a determinado lugar. Exercia um ministério urbano e rural. Qualquer mestre estaria restringindo seu ensino à sinagoga, Jesus prefere as ruas, os becos, os lugarejos, aproximando-se do povo, sem abandonar as sinagogas (ROCHA, 2003).


Como base na narrativa veterotestamentária a comunidade judaica do primeiro século marginalizavam as pessoas da sociedade, as leis referentes à pureza, os doentes, as leis referentes à pureza marginalizavam os doentes leprosos (cf. Levítico 13 e 14). Todos os líquidos que saíam do corpo humano relacionados com a reprodução provocavam impureza. A pessoa impura estava excluída da participação social. Havia muitas pessoas à margem da sociedade e, para piorar a situação de sofrimento, sentiam-se abandonadas por Deus: “Ao entardecer, quando o sol se pôs, trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoninhados” (Marcos 1:32).

Ser pobre significava não ter existência social. A situação de opressão e escravidão deu origem a vários movimentos proféticos e messiânicos, especialmente na Galileia, região que fornecia trigo, vinho, óleo, carne e peixe, e que, por isso mesmo, foi o território mais explorado e devastado. Entre os vários movimentos, podemos situar o de Jesus (MARQUES, 2012). A sua proposta de reino de Deus atraiu homens e mulheres que perderam suas terras e se encontravam sem reino. Por isso, Jesus proclama: “Felizes vós, os pobres” (cf. Lucas 6:20; Mateus 5:3).


BOCH, (2009) em sua oba “Missão Transformadora”, declara que Jesus realizou uma missão oniabrangente. “Ele abarca tanto os pobres quanto os ricos, tanto os oprimidos quanto os opressores, tanto os pecadores quanto aos devotos. Sua missão consiste em desfazer a alienação e em derrubar muro de hostilidade, em cruzar fronteiras entre indivíduos e grupos “. Assim afirma que Jesus vai ao encontro do povo em sua carência; come com pecadores; deixa-se tocar pelos marginalizados e também os toca. Em seu ministério existe lugar para crianças, mulheres, corruptos cobradores de impostos. Ninguém é desprezado e a todos se destina a devida atenção.


Segundo MOLTMANN (2009) o “caminho de Jesus” designa a participação da comunidade na missão messiânica de Jesus aos pobres, doentes, pecadores, oprimidos e aos socialmente excluídos. A base para este conceito está na atenção dada às ações de Jesus na comunhão com todos os pertencentes a estas classes na anunciação da chegada do reino de Deus, como sinal de salvação e libertação. Jesus está ciente de ter sido chamado justamente em função dos pecadores, pobres e a dar liberdade aos oprimidos (BULTMANN, 2005).


Portanto, recorrendo aos evangelhos e notando a ação de Jesus na sociedade do primeiro século, percebe-se seu anseio de ver as necessidades dos seres humanos supridos e, olhando-o, é possível entender que Jesus constitui o paradigma da missão da igreja. Os evangelhos levam a constatar que a encarnação, devoção, serviço e ressurreição formaram os pilares da vida de Jesus e da mensagem das boas novas do Rei (ROCHA, 2003).


O EVANGELHO SEGUNDO ESCREVEU MATEUS: E A INCLUSÃO DOS GENTIOS NO REINO DE DEUS.

O evangelista Mateus dá uma síntese extraordinária do ministério de Jesus ao escrever: “E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. E, então, se dirigiu a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara.” (Mateus 9:35-38).


No texto de Mateus 9.35-38, o ministério de Jesus ganha três características específicas, as quais são aqui denominadas de o conteúdo da Missão de Jesus: Ele ensinava, proclamava e curava. Jorge Barro (2002), tratando da questão urbana no ministério de Jesus, diz que: “O segundo elemento da missão urbana diz respeito ao conteúdo. Jesus percorria todas as cidades e povoados (contexto) fazendo três coisas: (1) pregando, (2) ensinando e (3) curando. Isso demonstra a tríplice ação de Jesus: kerigma (kerigma - segundo Dunn, (2009), pode significar o que é pregado, ou o ato de pregar (cf. Romanos 16:25; 1 Coríntios 1:21; 2:4). p.76), didaquê e serviço. Através da proclamação (kerigma) das boas novas, a Igreja apresenta a vida eterna. Através do ensino (didaquê) a igreja educa para a vida eterna, para os valores do reino de Deus. Através do serviço (diaconia) a igreja demonstra o poder do reino de Deus no "já-ainda-não"; isso demonstra a integralidade da missão. Isso demonstra uma igreja que está preocupada com a salvação, educação e ação social.”


O evangelho Segundo escreveu Mateus aponta para a inclusão dos gentios, apresentando: (...) quatro mulheres não israelitas na genealogia de Jesus (capítulo 1); a visita dos magos (2.1-12); centurião de Cafarnaum, que leva Jesus a dizer que um dia os gentios tomarão lugar à mesa no reino dos céus com os patriarcas (8.5-13); a mulher Cananéia (15.21-28) (BOSCH, 2002). Diferente da enclausurada visão da igreja, que se restringe a um endereço fixo e espera que os desesperados venham até ela, Jesus envolve-se com o outro onde o outro estiver. Sua atitude torna-se desafiadora. Diferentemente de alguns dos grupos religiosos de sua época, Jesus não se envolve com os pobres para tirar-lhes algo ou para promoção pessoal - diferentemente do que alguns "espertos" corruptos têm feito em nome da religião. Cristo está no meio do povo e produz uma grande esperança na vida daqueles a quem alcança. O agir de Jesus é profundamente significativo para a missão da igreja nesses dias em que se busca um rumo.


O EVANGELHO SEGUNDO ESCREVEU MARCOS: A INCLUSÃO ATRAVÉS DO SERVIÇO.

Marcos retrata a missão de Jesus voltada para as comunidades camponesas, sendo que na primeira parte da história, a campanha de Jesus, iniciou-se nas aldeias da Galileia, aldeia de Cafarnaum (Marcos 1:21; 2:1; 6:6). A partir dessa base, Jesus podia deslocar-se facilmente a outras aldeias próximas. Do mesmo modo, quando ultrapassa os limites da Galileia e entra em outras regiões, Jesus atua, por exemplo, nas aldeias de Cesareia de Filipe (Marcos 1:22; 6:1). Assim sendo, torna-se evidente através das perícopes de Marcos 6:7-13; 9:57-10:16 que “as indicações mais significativas de que a missão de Jesus de proclamação e manifestação do Reino de Deus concentra-se nas comunidades camponesa são os discursos da missão em Marcos” (HORSLEY, 2004).


Pode-se observar que neste contexto, então, é que o evangelho de Marcos utiliza-se da palavra “boas novas” para anunciar a boa notícia aos pobres. Em seu escrito os empobrecidos, doentes, endemoniados, cegos e injustiçados pelo império e facções, sentem-se atraídos a seguir a Jesus, e alguns dos líderes religiosos mostram-se a dificuldade em compreender este projeto de Jesus acerca de sua missão do Reino que veio para servir a todos.


Marcos descreve o início do ministério de Jesus, realizando grandes manifestações de seu poder e autoridade, contudo, no cume das suas ações colocarem-se em posição de humilhação entrega. Jesus através de seus ensinamentos mostra que aquele que deseja entrar no Reino dos céus, aquele que deseja ser o primeiro, deve ser o último e servo de todos: os líderes da comunidade devem servir e não ser servidos. “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10:45).


Observa-se, então, que Jesus questiona e dessacraliza, um tipo de estrutura sociopolítico - econômica, o jeito romano de dominação e os preconceitos das facções judaicas, enquanto estabelece, através da sacralização, um novo padrão baseado na tradição popular campesina, em valores igualitários e de serviço estabelecido pelo seu personagem principal.


Nesse evangelho o narrador apresenta mulheres e homens que seguem Jesus desde a Galileia até Jerusalém, convivendo e aprendendo com ele. Dentro de suas limitações, esse grupo assumiu a causa do reino de Deus, que se fundamenta na justiça e na solidariedade, no meio das pessoas que estão à margem da sociedade, como mulheres, pobres, estrangeiros, crianças e doentes (cf. Marcos 1:31; 6:33; 7:28; 8,1; 10:13,46). Seguir Jesus implica assumir o mesmo caminho de Jesus como servo sofredor: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá; mas o que perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e arruinar sua própria vida?” (Marcos 8,34-36).


Marcos em sua narrativa apresenta o questionamento de Jesus acerca da relação e das estruturas sociais e políticas de dominação. Na perícope do exorcismo em Marcos 5:1-20, Jesus ridiculariza a dominação romana, associando as legiões aos demônios e porcos que morrem se atirando ao mar. “Com os exorcismos, as curas de Jesus não eram simples atos isolados de compaixão individual, mas parte de um programa mais amplo de cura pessoal e social” (HORSLEY, 2004).


Já no trecho que descreve a situação da viúva pobre em Marcos 12:38ss pode ser interpretada como uma denúncia da exploração econômica do império e do templo, uma vez que as viúvas eram para ser amparadas pela instituição religiosa conforme mandava a lei veterotestamentária. Jesus, também ensina acerca dos bens. Aquele que confia nas riquezas dificilmente entrará no reino de Deus. Para seguir a Jesus, é preciso distribuir seus bens. Nessas passagens percebe-se que a pobreza não é aceita pelo texto como situação normal. “Então, Jesus, olhando ao redor, disse aos seus discípulos: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Os discípulos estranharam estas palavras; mas Jesus insistiu em dizer-lhes: Filhos, quão difícil é para os que confiam nas riquezas entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Marcos 10:23-25).


Já na perícope da Ceia do Senhor (cf. Marcos 14:22-26), que é presente em toda a comunidade cristã, demonstra publicamente para ela, a ideia de igualdade contra as distinções de status, de que a sociedade interna a essa comunidade era igualitária e diferente da sociedade estabelecida pelo poder político (Roma) e palas facções judaicas do primeiro século.


O EVANGELHO SEGUNDO ESCREVEU LUCAS: A INCLUSÃO ATRAVÉS DA RESTAURAÇÃO.

A narrativa lucana mostra que o objetivo da missão de Jesus, de sua prática e ministrações, foram perceber e fazer com que outros percebam a presença do reino de Deus. As curas e os exorcismos de Jesus não eram sinais de que o reino de Deus viria logo, mas indicações de que o reino já estava presente. Eram manifestações diretas da atuação libertadora e restauradora de Deus na vida das pessoas (HORSLEY, 2010). Jesus evidenciou de forma inequívoca, essa percepção da problemática humana (cf. Lucas 1.17-21), ao definir a sua missão redentora em termos proféticos (cf. Isaías 61), emprestando-lhe tal dimensão que se revelou, desde logo, como solução cabal para as necessidades todas da criatura. Isto é, o que nos mostra a análise do texto em que Jesus se baseou. No capítulo quatro (cf. 4:18-19) Lucas com base na narrativa profética de Isaías descreve o ministério que o Messias exercerá um ministério de restauração temporal e atemporal.


A partir das perícopes do livro do profeta Isaías: “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram” (Isaías 61:1,2).


Lessa (1981) atribuiu-se assim a Jesus Cristo:

a) Um ministério de restauração material, pois se afirma ser enviado “a restaurar os contritos de coração”, (Isaías 61:1);

b) Um ministério de libertação social, desde que anuncia “liberdade aos cativos e abertura de prisão aos presos”, (Isaías 61: 1b);

c) Um ministério de redenção espiritual, porquanto veio “apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus”, (Isaías 61: 2ª);

d) Um ministério de consolação moral, uma vez que se propõe “consolar todos os tristes”, (Isaías 61: 2b).

O texto do capítulo quatro do evangelho segundo escreveu Lucas é o mais antigo registro conhecido a respeito da ordem do culto no serviço de uma sinagoga. O culto incluía uma leitura da Lei e uma dos profetas (SPROUL, 1999). Ao descrever sobre a participação de Jesus na liturgia da sinagoga de Nazaré, onde fora criado é notado na homilia de Jesus o seu anseio de ver as necessidades dos seres humanos supridas. Para o próprio Jesus, sua missão foi descrita em termos de uma capacitação especial do Espírito Santo para realizar certas tarefas relacionadas a questões sociais premente no seu tempo: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor (Lucas 4:18,19).


Lucas mesmo sendo de origem gentílica e seus escritos de forma abrangente apontam para diversas comunidades, incluindo pobres, quebrando barreiras sociais a exemplo da comunicação de Jesus com as mulheres, coletores de impostos e samaritanos, mostrando o interesse do Reino de Deus na inclusão dos marginalizados.


Segundo Malina (2004) “o discurso da missão e sua implementação ilustram como as normas e obrigações sociais são definidas por Jesus como sua vocação”. Jesus entendia muito bem a sua vocação, por isso mesmo, o narrador declara que Ele era convicto de sua missão: Então, lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. Então, passou Jesus a dizer-lhes: Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir (Lucas 4:17-21 ARA, 1993).


Segundo Barro (2002, p.50) denomina o texto de Lucas como sendo a agenda programática da missão de Jesus, que era:

1° Pregar as boas novas aos pobres;

2° Proclamar libertação aos cativos;

3° Restaurar a vista aos cegos;

4° Libertar os oprimidos e;

5° Proclamar o ano aceitável do Senhor.


É neste evangelho que vamos encontrar os textos mais contundentes contra a riqueza socialmente descomprometida. Basta lembrar a parábola do pobre Lázaro e do rico (cf. Lucas 16:19-31). Pode-se acrescentar a isso a parábola do bom samaritano (cf. Lucas 10:29-37), e a porta estreita (cf. Lucas 13:22-30). Haveria mais textos que mostram a radicalidade de Lucas. É comumente aceito que os cativos, os cegos e os oprimidos estão na categoria dos pobres. Existem "boas novas" para eles — as boas novas de que o Reino de Deus é aqui e agora, trazendo esperança para o seu futuro, a esperança do ano aceitável do Senhor. Finalmente, os pobres tinham alguém que não estava contra eles, mas a seu favor; alguém que tinha a coragem de incluir os que foram excluídos da sociedade tornando-os receptores da graça do Senhor (BARRO, 2002).


O EVANGELHO SEGUNDO ESCREVEU JOÃO: A INCLUSÃO SOCIAL UM FUNDAMENTO DA MISSÃO DE JESUS.

Segundo Hurtado, (2012), “o evangelho segundo escreveu João é sem dúvida um dos mais importantes e influentes livros sobre Jesus jamais escritos”. Nele João amplia a dimensão da abertura do reino de Deus para todos os povos ao apresentar Jesus Cristo encarnado, fazendo-se igual aos homens e convidado a todos quantos o recebessem o serem também feitos filhos de Deus. Jesus conforme a narrativa do quarto evangelho é considerado como o fundamento da missão, nele o ato redentor de Deus se manifesta. Em seu contexto do século I, Jesus choca a comunidade judaica religiosa com sua missão oniabrangente para todo o Israel, anunciando a salvação tanto para pecadores quanto a fariseus, ricos e pobres, etc.


De acordo com a narrativa joanina, formulando a mesma realidade com outras palavras, pode-se dizer que Jesus é o dom do Pai para a salvação da humanidade. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. (João 3:16). De acordo com Theissen (2009, p.106,107) a missão de Jesus se completa na revelação desse amor – na transmissão do novo mandamento: Somente com o amor é que Jesus revelou tudo o que ouvira do Pai. Exclusivamente mediante a revelação desse amor e desse mandamento de amor é que os discípulos passaram realmente da condição de escravos a de amigos de Jesus. “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer.” (João 1:15).


Destarte, encontramos nas palavras de Jesus, que os que aceitarem esse dom têm que associar-se à obra do amor para continua-la. O próprio Jesus faz de seus discípulos continuadores de sua missão. “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo.” (João 17:18). Para tanto, a missão é, pois atividade essencial da comunidade cristã, tanto no âmbito individual quanto social. A missão tem por objetivo fazer que os homens alcancem a plenitude de vida, descrita como a expressão “ser filhos de Deus”. Não obstante, há muitos obstáculos, tanto individuais quanto sociais, que se opõem a esta plenitude. Assim, a missão de Jesus e, em consequência, da comunidade, pode expressar-se como serviço à humanidade que tende à libertação dos oprimidos. O grande obstáculo para a libertação dos oprimidos é precisamente o fato de haverem eles assimilado os falsos valores do sistema que os oprime, em particular a ambição e a rivalidade, que destroem a solidariedade humana. A missão da comunidade de Jesus, procurar esta liberação (CAMACHO, 2003).


De todas as comunidades cristãs primitivas apresenta nos evangelhos a de João parece ser a que melhor encarnou o Espirito de Cristo. As relações sociais e a espiritualidade deveriam se mediadas pelo amor-serviço. Isso fica evidente no relacionamento que Jesus tinha com as pessoas. Nos capítulos três e quatro mostra que Jesus, supera as mais difíceis barreiras de gênero, de religião, de raça e de classe. Ele acolhe e conversa com Nicodemos, que era um membro da alta classe judaica, com assento no Sinédrio. “Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus.” (João 3:1).


No capítulo quatro o narrador descreve Jesus conversando e acolhendo uma mulher samaritana (cf. João 4:7). Com esta mulher, da qual a narrativa não diz o seu nome, contudo, Jesus consegue estabelecer um diálogo construtivo, superando uma das mais difíceis barreiras daquela época, a religião. Para a samaritana Jesus era um judeu (cf. João 4:9), ou seja, um inimigo religioso, opressor dos samaritanos. Jesus teve que, pacientemente, desarmar a samaritana e dizer: “Mulher, eu sou judeu, mas não sou teu inimigo!”. Para estabelecer um diálogo com ela, Jesus começa a conversa revelando uma carência que só poderia ser saciada com o trabalho daquela mulher: “Dá-me de beber!” (João 4:10). O longo diálogo entre Jesus e a samaritana mostra o quanto Jesus estava aberto para a presença das mulheres em seu grupo, quebrando a barreira do preconceito e contrariando um grande número de rabinos, que não aceitavam mulheres em seus grupos de estudo, sabemos que muitas mulheres seguiam Jesus (cf. Marcos 15:41; Lucas 8:2-3).

Já na perícope do paralitico da piscina apresentada no capítulo cinco, João descreve as dificuldades que encontrava o povo, onde não tinha forças e nem possibilidades de iniciativas (invalidez), para vencer a ideologia do sistema opressor, causa de sua invalidez (CAMACHO, 2003). Mesmo depois que Jesus devolveu a força e a liberdade de opção, ele volta ao sistema que havia causado sua miserável condição e do qual conseguira sair. “Então, lhe disse Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. “(...) Mais tarde, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior.” (João 5:8,14).


JESUS, PASTOR QUE CRIA COMUNIDADES ATRAVÉS DA RECONCILIAÇÃO DAS PESSOAS.

A narrativa dos quatro evangelhos apresenta um grande número de pessoas, das mais diferentes origens e ocupações seguindo Jesus. A partir desse quadro, Jesus, em seu ministério consegue agregar um grande número de pessoas, das mais diferentes origens e ocupações, como por exemplo:

· Primeiro aparece um grupo de pescadores (Pedro, André, Tiago e João) são trabalhadores, naturais de Betsaida, uma pequena aldeia da Galileia (cf. Marcos 1:16-20),


· Em seguida Filipe, que também era da mesma aldeia (cf. João 1:44),


· Mateus um judeu que trabalha para os romanos como cobrado de impostos (cf. Mateus 9:9) funcionário público do império,


· Zelote, um guerrilheiro que lutava continuamente contra a ocupação dos romanos na palestina.


· Jesus conversa com Nicodemos (cf. João 3:1), um fariseu e membro da alta classe judaica, o qual fazia parte do Sinédrio,


· Jesus não só acolhe o pedido de um oficial romano para curar o filho doente (cf. Mateus 8:5; Lucas 7:2), mas também elogia sua fé: "Eu declaro a vocês que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé." (Lucas 7:9).


· Jesus acolhe o pedido da mulher Cananéia que era de outra raça e de outra religião (cf. Marcos 7:25-29),


· Jesus é criticado pelo fato de entrar na casa dos cobradores de impostos (cf. Marcos 2:15-16).

· Na narrativa joanina, Jesus é o bom pastor que capacita e viabiliza pessoas na comunidade, num exercício contínuo de acolhimento. Auxilia pessoas a restaurar processo de relacionamento pautado em expressões de amor e compromisso mútuo.


· Também acolhe e conversa com uma mulher samaritana (cf.João 4:7). Com esta mulher, da qual texto nem sequer faz referência ao seu nome, Jesus consegue estabelecer um diálogo construtivo, superando uma das mais difíceis barreiras, a religião. O texto de João mostra que os próprios discípulos ficam surpresos com o diálogo de Jesus com a samaritana (João 4:27). Aceitar as mulheres em igualdade dentro do grupo não deve ter sido fácil para os discípulos (Lucas 24:11).


Esse grupo de pessoas começa a caminhar juntos, lado a lado, unidos pela mesma opção. Como Jesus conseguiu esta proeza, não se sabe. Sinal de que fazia parte de sua pedagogia aceitar gente das mais extremadas posições sociais e políticas dentro de Israel. Sua proposta era de construir uma comunidade que traduzisse toda a diversidade da sociedade de seu tempo e, ao mesmo tempo, mostrasse a possibilidade de uma reconciliação social, onde todas as correntes encontrassem um espaço de convivência. As principais características das comunidades cristã em Mateus, Marcos, Lucas e João, mostram certas diversidades de enfoque no tocante à missão. Determinar a concepção de cada narrador pode ajudar a refletir sobre o enfoque da missão para igreja contemporânea. Uma vez que numerosas perícopes evangélicas diretamente e indiretamente tratam da comunidade de Jesus; nelas os preconceitos e as indiferenças sociais dentro da comunidade, a relação desta como Jesus com o Pai, e sua missão no mundo que a rodeia são de certa forma eliminadas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigmas na teologia da missão. São Leopoldo – RS: EST, Sinodal, 2009.


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CAMACHO, J. Mateos. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 2003.


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MALINA, Bruce J. O evangelho social de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004.


MARQUES, Maria Antônia. No caminho de Jesus: uma leitura do evangelho de Marcos. Vida pastoral: revista bimestral para sacerdotes e agentes de pastoral. São Paulo: Paulus, ano 53 - número 286 setembro-outubro de 2012.


MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo. São Paulo: Academia cristã, 2009.


ROCHA, Calvino. Responsabilidade Social da Igreja. Londrina/PR: Descoberta Editora Ltda, 2003.


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