COMO APLICAR A DUPLA DIMENSÃO DA LINGUAGEM MYTHOS E LOGOS NA INTERPRETAÇÃO DO QUARTO EVANGELHO
- Antonio de Oliveira
- 26 de dez. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 3 de fev. de 2024

A interpretação do Quarto Evangelho, sob a ótica da dupla dimensão da linguagem, mythos e lógos, oferece uma abordagem enriquecedora para compreender os profundos significados teológicos e filosóficos presentes nesse texto sagrado. Essas duas dimensões, embora distintas, coexistem de maneira complexa, contribuindo para a narrativa única e profunda apresentada por João.
No início, existia o lógos, e o lógos estava com Deus, e o lógos era Deus (João 1:1). Assim surgiu a primeira filosofia, utilizando os mythos para explicar o mundo e os mistérios da vida de todas as coisas. Mesmo sem a Bíblia, os gregos recorriam aos mythos para compreender as questões fundamentais, buscando, ao mesmo tempo, a razão como um princípio fundamental para todas as coisas. O conhecimento tornou-se a resposta para suas indagações, ficando à mercê da razão responsável pela compreensão.
Para os gregos, um mythos era originalmente uma narrativa falada, uma expressão oral do rito realizado, relacionada ao significado das coisas (RUTHVEN, 2010). Diante das limitações da linguagem para descrever realidades amplas e abstratas, o homem antigo frequentemente recorria ao mythos (MALANGA, 2005). Na antiguidade, o pensamento, a fala e a aquisição de conhecimento eram delineados pelos termos mythos e lógos (AMSTRONG, 2009).
A verdadeira história do lógos incorporado na linguagem coincide com o surgimento da filosofia, quando o mythos gradualmente deu lugar ao lógos e a representação mitológica à representação conceitual. As palavras como expressões do lógos tornaram-se cada vez mais uma ordem e domínio, meios de comunicação e transmissão de saberes e experiências. A transição do mito para o lógos, da metáfora ao conceito, é essencial para compreender o fenômeno cultural embasado em mythos e lógos, como evidenciado no prólogo do Quarto Evangelho.
O mythos é uma narrativa monológica que comunica saberes e conhecimentos, usando imagens e símbolos que demandam interpretação (Santos, 2017). Ele não descreve a origem das coisas, mas sim o que são e qual é seu significado (CROATTO, 2004). Marilene Chauí (2006) apresenta o mythos como uma narrativa mágica, definida não apenas pelo tema, mas pelo modo mágico de contar, por meio de analogias, metáforas e parábolas.
O mythos é uma narrativa monológica que comunica saberes e conhecimentos, na qual se articulam imagens e símbolos que exigem uma interpretação (Santos, 2017). O mythos não descreve como se originaram as coisas, e sim diz o que são e qual é o seu sentido (CROATTO, 2004). Marilene Chauí (2006), apresenta o mythos como narrativa mágica ou maravilhosa, que não se define apenas pelo tema ou objeto da narrativa, mas pelo modo (mágico) de narrar, isto é, por analogias, metáforas e parábolas.
A palavra "mythos" vem do grego, mythos, derivando dos verbos mytheyo (contar, narrar) e mytheo (conversar, anunciar). O mythos é usado no campo religioso, filosófico, antropológico e sociológico para abordar a compreensão pré-científica e religiosa do mundo (ARENS, 2007). Antonio Carlos dos Santos (2013), destaca que o termo lógos possui várias interpretações nas correntes filosóficas, como palavra, verbo, sentença, discurso, pensamento, inteligência e razão.
Os termos mythos e lógos têm relevância para a história da filosofia e da religião, sendo divisores de águas entre os estudiosos do fenômeno filosófico (LOPES, 2015). A linguagem começa a configurar mais definitivamente a vida dos homens, da sociedade, da economia, da política e do direito. O lógos não surgiu miraculosamente, mas se desenvolveu diacronicamente, mantendo a herança do pensamento mítico nos discursos dos primeiros filósofos pré-socráticos (MACIEL, 2007).
Os discursos pré-socráticos eram poéticos e divinatórios, marcados por expressões enigmáticas, máximas e agradecimentos aos deuses pela inspiração. O conteúdo tratava da explicação da origem da physis (Natureza), assemelhando-se às narrativas dos mythos cosmogônicos sobre a origem do cosmo. A dualidade da linguagem como mythos e lógos pode ser aplicada à interpretação do Quarto Evangelho.
O mythos é uma experiência da linguagem, uma narrativa que conta as ações ordenadoras dos deuses, enquanto o lógos explica a origem dos fenômenos naturais, respondendo às indagações com razão. O lógos no Quarto Evangelho anuncia a manifestação carnal da divindade, sendo uma experiência humana universal com interpretações diversas nas culturas orientais e ocidentais.
A experiência humana universal é contemplada por meio da linguagem mythos e lógos. O mythos, ao narrar eventos além da compreensão humana, permite que os crentes se conectem emocional e espiritualmente com a divindade. Por sua vez, o lógos oferece uma base conceitual para a compreensão racional das verdades espirituais, proporcionando um alicerce sólido para a fé.
Ao aplicar essa dupla dimensão da linguagem na interpretação do Quarto Evangelho, é essencial considerar o contexto cultural da época. O uso de mythos e lógos dialoga com as concepções filosóficas e teológicas predominantes na sociedade judaico-cristã do primeiro século. Além disso, a análise interdisciplinar, envolvendo áreas como teologia, filosofia e estudos culturais, pode enriquecer ainda mais a compreensão do texto sagrado.
Em suma, a interpretação do Quarto Evangelho à luz da dupla dimensão da linguagem mythos e lógos proporciona uma visão holística e multifacetada da mensagem cristã. Essa abordagem permite aos estudiosos e crentes explorar as profundezas do significado teológico, ao mesmo tempo, em que reconhecem a riqueza simbólica e a lógica intrínseca presentes nesse relato inspirador.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ARENS, Eduardo. A Bíblia sem Mito: Uma introdução Crítica. São Paulo: Paulus, 2007.
ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: O Fundamentalismo no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2006.
CROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa. 3° Ed - São Paulo: Paulinas, 2010.
JOSGRILBER, Rui. Experiência do lógos e o lógos joanino. Disponível em: http://www.hottopos.com/isle18/97-108Rui.pdf Acesso em:20/06/2017 às 19:30.
LOPES, Rodolfo. Prometeus - Usos e sentidos de mythos e lógos antes de Platão. Ano 8 - Número 18 – Julho-Dezembro/2015 - E-ISSN: 2176-5960. p.2.
MACIEL JÚNIOR, Auterives. Pré-Socráticos – A invenção da Razão. São Paulo: Odysseus Editora, 2007.
MALANGA, Eliana Branco. A Bíblia Hebraica como obra aberta: uma proposta interdisciplinar para uma semiologia bíblica. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, Fadesp, 2005.
RUTHVEN, K. K O Mito. São Paulo: Perspectiva, 2010.
SANTOS, Antonio Carolos dos. O Lógos Joanino e a Humanização do Divino. Slide da aula do curso de pós graduação. Disponível em: http://moodle.metodista.br/moodle-ead/course/view.php?id=5681
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