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A parábola do semeador

  • Foto do escritor: Antonio de Oliveira
    Antonio de Oliveira
  • 8 de jan. de 2019
  • 61 min de leitura

Atualizado: 7 de ago. de 2023



A PARÁBOLA DO SEMEADOR

(Mateus 13.3-23; Marcos 4.3-20; Lucas 8.5-15)


Esta parábola está entre as mais conhecidas, mas ela não e assim tão simples como pensam algumas pessoas. A Parábola do Semeador e o contexto que a rodeia exerce um papel estrutural em todos os três Evangelhos Sinópticos. Ela e a primeira parábola substancial nos três e, fora as parábolas do Joio e do Trigo e da Rede, registradas por Mateus, ela e a única parábola que recebe uma interpretação detalhada. A parábola do Semeador e a do Joio e do Trigo são as únicas duas parábolas que recebem título (Mt 13.18 e 36). A do Semeador e única no sentido de que recebe um lugar de honra em cada um dos Evangelhos, no início das instruções cruciais sobre as parábolas e sobre o Reino (Mt 13.1-52; Mc 4.1-34; Lc 8.1-18). Ela e a parábola que trata das parábolas.


Todos os três evangelistas sinóticos posicionam uma explicação do objetivo do ensino passado por Jesus no formato de parábolas entre a parábola e a sua interpretação. Em todos os três, pelo menos, uma porção de Isaias 6.9,10 e citada. Em particular no caso de Mateus e Marcos, a organização da coleção de parábolas e minuciosamente estruturada. Depois do “Semeador” e da sua interpretação Mateus apresenta uma coleção de sete parábolas acerca do Reino (oito se considerarmos 13.52 como uma parábola) e uma análise mais aprofundada acerca do objetivo das parábolas (13.34,35).2 Marcos junta ao Semeador e a sua interpretação vários ditos relacionados as parábolas em 4.21-25, apresenta outras duas parábolas (a da Semente e do Grão de Mostarda) e conclui a sua seção de parábolas com uma afirmação resumida acerca dos ensinos de Jesus sobre as parábolas. Lucas não apresenta um discurso sobre as parábolas do Reino, já que nesse contexto ele apresenta somente o Semeador e a sua interpretação. Na verdade, ele segue a mesma linha básica de relato e faz um paralelo com Marcos 4.21-25 ao incluir o que e dito a respeito das parábolas (Lc 8.16-18), mas posiciona as parábolas do Grão de Mostarda e do Fermento em 13.18-21 sem fazer uma conexão com qualquer análise das parábolas. Várias parábolas nessas coleções são, as vezes, classificadas como parábolas sobre “crescimento”.


Raramente se levantam dúvidas acerca da autenticidade da parábola do Semeador. Como a interpretação se parece com uma leitura alegórica da parábola, os seguidores de Julicher rejeitam de forma peremptória qualquer possibilidade de essa interpretação ter sua origem em Jesus e, até pouco tempo, a maioria dos eruditos do Novo Testamento simplesmente acatava essa posição de forma inquestionável. Para alguns, entretanto, a interpretação e ilicitamente reintroduzida quando esses eruditos apresentam as suas próprias explicações acerca da parábola. Se a interpretação for verdadeiramente desconsiderada, restar-nos-á poucos direcionamentos a seguir para a determinação do seu significado, de tal forma que Bultmann e alguns outros ficaram desesperados para encontrar o proposito original. A ambiguidade levou a controvérsias, a uma grande bibliografia a respeito dessa parábola e a uma variedade de pontos de vista.


Entretanto, não são os eruditos a causa dos problemas de compreensão dessa passagem, pois existem dificuldade reais e anomalias nos relatos sinópticos. Apesar do seu papel crucial em nos três Sinópticos, esta e uma parábola difícil, especialmente em Marcos.


Classificação da Parábola

Esta parábola não e como a maioria das outras no sentido de que não e um relato breve e simples, nem apresenta uma trama estruturada. Ela descreve três incidentes de semeadura malsucedida e uma semeadura exitosa, seguidas por um apelo aos ouvintes. As pessoas divergem acerca da classificação dessa parábola. Se a semeadura e a aradura forem vistas como acontecimentos cotidianos, a história e vista como uma similitude. Mas se a semeadura e a aradura forem vistas como um exemplo especifico e incomum, a história e vista como uma parábola. Para alguns ela se trata, claramente, de uma alegoria ou de uma parábola alegórica. A melhor abordagem seria sua classificação como uma composição de quatro imagens, uma similitude quadrupla? São comuns os paralelismos com esse aspecto de composição.


Questões que Exigem Atenção

1. Qual e o significado da estrutura de Marcos 4, Mateus 13 e Lucas? Uma variedade de perguntas relacionadas exige a nossa atenção. O mais importante: Por que Marcos 4 parece ser uma seção tão desorganizada do texto com Jesus no barco em 4:1 e em 4.36 de volta ao barco ao fim do dia pronto para dispensar a multidão, mas em 4:10 Ele está a sós com os discípulos? E, em especial, qual e a relevância das passagens aparentemente desconexas contidas em Marcos 4:21-25; Lucas 8:16-18, as quais em Mateus, salvo no caso de 13:12, estão colocadas em outros contextos?


2. Como devem ser entendidas as palavras difíceis de 4:10-12? Uma gama de perguntas exige uma análise mais aprofundada: Por que Marcos ou Jesus sugere que as parábolas eram contadas para dificultar a compreensão das coisas? Será que Marcos tem uma teoria acerca das parábolas que as enxerga como obscuridades derivada, em parte, da sua visão acerca do segredo messiânico? Este texto trataria da “dupla predestinação”? Quem são as pessoas “que estão de fora” em Marcos e como se passa “para dentro”? Qual e o significado do uso de Isaias 6:9,10? Qual é o significado de hina (que, normalmente, significa “a fim de que”) e mepote (ou “a fim de que não”, ou “talvez”) em Marcos 4:12? Qual a intenção do uso de palavras como “parábolas” no plural (Mc 4:10), mysterion (“mistérios”, v. 11) e tapanta (“todas essas coisas”, v. 11)? A afirmação de que “mas aos que estão de fora todas essas coisas se dizem por parábolas” e particularmente inquietante porque em nos três Sinópticos Jesus ensina as pessoas sem fazer o uso de parábolas e o seu ensino foi reconhecido como uma mensagem de autoridade, sendo que Mateus e Lucas com os Sermões do Monte e da planície representam os exemplos mais claros, porem Marcos 1.15,21,22,38,39 são passagens que também podem ser utilizadas como exemplo.


3. Será que a interpretação pertence, originalmente, a parábola tal qual ela foi contada ou e resultado de uma alegorizacão feita pela Igreja Primitiva? Será que as correspondências sempre apontam para as obras da Igreja Primitiva? Estaria a interpretação de Jesus ou a de Jeremias correta na indicação dos vários aspectos de interpretação que apontam para uma influência da Igreja Primitiva? De que forma tanto a palavra quanto as pessoas podem ser semeadas (Mc 4:14,15-20)?


4. Será que alguém faria uma semeadura desta forma? Deveríamos supor que o semeador era uma pessoa desleixada e semeia de forma negligente ou que isso e somente uma descrição do que acontecia na semeadura no mundo antigo?


5. A analogia trata de Deus que semeia pessoas em Israel ou de Deus que semeia a sua palavra?


6. Qual é o sentido e o significado dessa parábola e do seu contexto? A ênfase está colocada sobre o semeador, sobre a semente, sobre a terra ou sobre a colheita? Falando mais especificamente, o que ela nos revela a respeito do Reino?


7. De que maneira o formato redacional de cada evangelista impactou o tom dessa parábola?


Material Útil de Fontes Primárias

Somente apresentaremos aqui os paralelos que são óbvios. Outras fontes primarias estão incluídas na análise que se segue.

Escritos Canônicos

Antigo Testamento: Isaías 6:1-13; 30:8-26; 55:10,11; Jeremias 4:3,4; 5:21; 23:8; 31:27,28; Ezequiel 12:2; 36.9; Oséias 2:22,23.


Novo Testamento: Mateus 7:24-27; Lucas 6:47-49; Mateus 9.35- 38; 11:25,26; Lucas 10:21-24; Marcos 7:14; 8:17,18; João 8:43; 9:39; 12:39,40; Atos 28:26-28.


Escritos Judaicos Primitivos

4° Esdras 4:28-32: “Pois o mal pelo qual perguntas foi semeado, mas o tempo da sua colheita ainda não chegou. Portanto, se o que foi semeado não for colhido e se o local onde o mal foi semeado não passar, o campo onde o bem foi semeado não vira. Pois uma semente de maldade foi semeada no coração de Adão desde o princípio e veja quanta impiedade ela produziu até o momento - e ainda produzira até que chegue o tempo da separação! Considere agora por ti mesmo a quantidade de fruto de impiedade uma só semente de maldade produziu. Quando um número infindável de sementes for semeado, imagine o tamanho da área de separação que será necessária!”


4° Esdras 8:41-44: “Pois tal como o agricultor semeia muitas sementes no solo e planta uma grande quantidade de mudas sabendo que nem todas crescerão no tempo certo e nem todas que foram plantadas firmarão a sua raiz; também nem todos aqueles que forem semeados no mundo serão salvos. Respondi... que se a semente do agricultor não crescer, por não ter recebido chuva no tempo certo, ou se estragou pelo excesso de chuva, ela morrera. Mas as pessoas, que foram formadas pelas tuas mãos e são chamadas de tua imagem por terem sido criadas como Tu, e por quem formaste todas as coisas - será que também as fizeste para serem como a semente do agricultor?”


4° Esdras 9:30-35: “Ouve-me, o Israel... Pois eu semeei a minha Lei em ti e ela produzira fruto em ti, e tu haverás de ser glorificado por toda a eternidade. Porém, apesar dos nossos ancestrais terem recebido a Lei, eles não a guardaram e não observaram os seus estatutos; contudo o fruto da Lei não pereceu - pois não era possível que isso ocorresse, porque ele era teu. Entretanto, aqueles que o receberam acabaram perecendo, porque não guardaram o que neles havia sido semeado. Recebe agora a regra geral de que, quando a terra receber a semente, ou o mar receber o barco, ou qualquer prato receber comida ou bebida e ocorrer que o que for semeado, ou lançado [no caso do barco] ou colocado no recipiente [no caso do prato] for destruído, observa que as coisas que serviam de recipiente permanecerão; só que conosco as coisas não foram assim”.


Escritos Greco-Romanos

Sêneca, Epistolae Morales, 38 (“Sobre a Conversa em Voz Baixa”). 2: “As palavras devem ser espalhadas como sementes; não importa quão pequena esta seja, se ela encontrar uma terra boa, libera a sua energia e de algo insignificante ela consegue um crescimento significativo... tanto os preceitos, quanto as sementes apresentam as mesmas qualidades; eles produzem muito, mesmo sendo coisas frágeis”.


Escritos Cristãos Primitivos

Evangelho de Tomé 9: Jesus disse: “Vê, o semeador saiu e encheu a sua mão, ele semeou (a semente). Algumas (sementes) caíram na estrada. Os pássaros vieram (e) as comeram. Outras caíram nas pedras e não criaram raiz na terra, nem formaram um broto no céu. E outras caíram em meio aos espinhos. Estes sufocaram as sementes e os vermes lhes consumiram. E outras caíram em boa terra; e ela gerou bons frutos no céu. Estas produziram na base de sessenta para um e cento e vinte para um”.


Ia Clemente 24.5 (como um exemplo de ressurreição): “Tomemos as colheitas: De que forma ocorre a semeadura? ‘O semeador sai para lançar cada uma das suas sementes na terra, e elas caem na terra, depois de ficarem expostas ao sol e ressecarem, elas se decompõem; então depois da sua decomposição a grandeza da providencia do Mestre as levanta e de um grão surge mais, (a planta) que gera fruto”.


Justino, Dialogo 125.1,2 (sobre o significado do nome Israel em um contexto de desconfiança de que os judeus não admitiriam o que sabem): “(...) mas falo todas as coisas de forma simples e cândida, como disse o meu Senhor: ‘Um semeador saiu semear (ele resume onde a semente caiu). Preciso falar, então, na esperança de encontrar uma boa terra em alguma parte...”


Escritos Judaicos Posteriores

m. ‘Abot 3:18: “Aquele cuja sabedoria e mais abundante do que suas obras, com que poderíamos comparar? A uma arvore cujos ramos são abundantes, mas que tem raízes frágeis; e o vento ... a arranca (..) aquele cujas obras são mais abundantes do que a sua sabedoria, com o que pode ser comparado? A uma arvore cujos ramos são poucos, mas cuja raiz e firme; de forma que... ele não pode ser arrancado do seu lugar...”


m. Abot 5.15: “Existem quatro tipos de pessoas que se sentam na presença dos sábios: as esponjas’, os ‘funis’, os ‘coadores’ e as peneiras’. As ‘esponjas’ são aquelas que sugam tudo; os ‘funis’ são aquelas que recebem a informação por um lado e a soltam pelo outro; os ‘coadores’ são aquelas que deixam passar o vinho e recolhem os resíduos; as ‘peneiras’ soa aquelas que extraem a farinha de trigo grosseiramente moída e somente recolhe a farinha fina”. Cf. t. Sotah 5.9, que apresenta quatro analogias de homens que tem uma mosca em volta ou dentro da sua taca, cada uma simbolizando uma atitude diferente de uma pessoa diante de uma forma especifica de existência, b. Gittin 90 a-b repete três das quatro analogias.


Comparação dos Relatos

Como a estrutura da coleção de parábolas de cada evangelista e determinante para a compreensão da parábola, especialmente em Marcos, a estrutura será tratada na explicação da parábola. Se compararmos a redação dos diferentes relatos (sem listar cada um dos detalhes), descobriremos o seguinte.


Mateus e Marcos apresentam Jesus proferindo muitas parábolas a partir de um barco, ao passo que Lucas se refere a uma parábola (e não apresenta outras parábolas aqui) e mostra o ensino de Jesus a partir de um barco em Lucas 5.1-3. Mateus diz que Jesus “falava” ao passo que Marcos e Lucas dizem que Ele “ensinava” (algumas consideram essa distinção relevante).


Marcos começa a parábola com um apelo para que as pessoas ouçam e vejam (akouete, idou 4.3; a Almeida Revista e Corrigida traduz a primeira palavra como “Ouvi” e omite a segunda); Mateus tem somente o apelo para que as pessoas vejam (idou, 13.3b, a ARC traduz simplesmente como “eis que”). Lucas omite as duas palavras.


Nem Mateus nem Lucas fazem uso da palavra “semente”, e Lucas somente a utiliza duas vezes (8.5,11). Mateus se refere as sementes com pronomes plurais na parábola e pronomes singulares na interpretação. Marcos utiliza pronomes singulares para as três primeiras sementes da parábola e, depois, muda para o plural na quarta semente e em todas as referências da interpretação da parábola. Lucas utiliza o singular na parábola e o plural na interpretação, mas nos versículos 14 e 15 utiliza pronomes singulares e plurais (to de ... peson ... houtoi; “aquela que caiu ..., estas são ...”). Será que os pronomes singulares são utilizados porque sporos (“semente”) e um substantivo coletivo?


Mateus e Lucas estão juntos na divergência com Marcos:

Na redação do texto que descreve o lançamento das sementes a beira do caminho (Mt 13:4; Lc 8:5);


Na expressão “conhecer os mistérios” (Mt 13:11; Lc 8:10; Mc 4:11 não utiliza “conhecer” e apresenta a palavra “mistério” no singular na versão original);


No uso do proverbio acerca da “medida” em relação ao julgamento dos outros (Mt 7:2; Lc 6:38), ao passo que Marcos 4:24b entende isso com respeito a receptividade as parábolas;


No uso de blepein em lugar de idein para expressão o “não ver” (Mt 13:13b; Lc 8.10b);


Na omissão de “para que se não convertam, e lhes sejam perdoados os pecados” (Mc 4:12), embora Mateus inclua uma versão não derivada de Marcos para essa frase quando repete e expande a citação (Mt 13:15); e


Na ênfase no coração (Mt 13:19; Lc 8:12).


Mateus e Marcos estão juntos na divergência com Marcos:

Na descrição da terra rasa entre as rochas, do crescimento e do calor do sol (Mt 13.5,6; Mc 4.5,6), que são omitidas por Lucas e na interpretação correspondente referindo-se a tribulação e a perseguição (Mt 13:21; Mc 4:17), que Lucas reduz a tentação; e


Na descrição da semente lançada entre os espinhos (Mt 13.7; Mc 4.7).


Marcos e Lucas estão juntos na divergência com Mateus:

No uso de hina (“a fim de que”, 4* 12/8.10b), ao passo que Mateus 13.13 utiliza hoti (“porque” ou “que”); e


Na inclusão de três provérbios depois da interpretação da parábola (Mc 4:21-25; Lc 8:16-18). O quarto proverbio de Marcos (4:24b) está no Sermão do Monte/Planície (Mt 7:2; Lc 6:38).

Mateus coloca o proverbio acerca “daquele que tem” em 13.12 antes da interpretação da parábola e em 25.29. Ele utiliza os outros provérbios em outros contextos e interpretados de forma diferente (Mt 5:15; 7.2 e 10:26). Luca reutiliza alguns desses provérbios em outros contextos também; vide 11.33; 12.2; 19.26.


Depois de citar inicialmente parte de Isaias 6.9 em 13.13, nos versículos 14,15 Mateus cita Isaias 6.9b,10 de forma completa. Somente Mateus especifica que está e a Parábola do Semeador (13.18) e que “a palavra” e a palavra do Reino (13.19).


Mateus lista a produtividade em ordem decrescente (100, 60, 30), Marcos apresenta uma ordem crescente (30, 60, 100) e Lucas lista somente a produtividade de 100 para um. Todas essas diferenças são relativamente pequenas, mas continuam sendo fonte de interesse. As relações são suficientemente incomuns, em especial a convergência de Mateus e Lucas contra Marcos, a ponto de U. Luz defender uma redação posterior do texto de Marcos (o “Deutero-Marcos”). Em outras palavras, para Luz o texto de Marcos utilizado por Mateus e Lucas não e o Marcos que chegou até nos. De maneira similar, Nolland argumenta que Lucas tinha uma segunda fonte para a parábola ao lado de Marcos (mas não para a interpretação). Essas teorias deveriam nos deixar mais cautelosos acerca da explicação da tradição e da redação dos Evangelhos Sinópticos a partir de suposições simples sobre a anterioridade do texto de Marcos.


O Evangelho de Tome 9 não contém detalhes descritivos e é muito mais enigmático que os relatos sinópticos. Acerca da semente lançada sobre as pedras, em vez de dizer que ela brotou, mas não se desenvolveu por não haver profundidade suficiente no solo, esse texto nos diz que a semente não “lançou sua raiz para baixo, na terra, nem lançou o seu broto para cima, no céu”, algo que não e confirmado nos Sinópticos. O Evangelho de Tome também acrescenta que um verme comeu a semente em meio aos espinhos e que a semente que caiu em terra boa gerou bons frutos que alcançaram o céu. Duas medidas de produtividade são apresentadas: 60 por um e 120 por um.


Aspectos Textuais Dignos de Atenção

Marcos 4 e tem a sua redação estruturada de forma surpreendente. Jesus está se dirigindo a multidão em um barco (4.1,2; cf. 3.9), depois a sós com os discípulos (4.10) e, depois, com os seus discípulos novamente no barco, e somente nesse momento eles se afastam da multidão (vv. 35,36). Fica claro que 4.35,36 está cronologicamente ligado a 4.9, e 4,10-34 representa uma inserção de texto a narrativa. Mateus 13 se mostra, de forma igualmente obvia, como uma inserção de texto.


As ênfases de redação de cada autor são marcantes, mesmo que aceitemos (como muitos o fazem) que o material de Marcos e oriundo de uma tradição anterior ao Evangelho. Nos três a ideia dominante e o ouvir. No relato de Marcos, o verbo akouein (“ouvir”) aparece treze vezes (4.3, 9 (duas vezes), 12 (duas), 15, 16, 18, 20, 23 (duas), 24, 33). Em Marcos, a parábola começa e termina com uma ênfase no ouvir, formando, assim, uma inclusio. A parábola do Semeador e uma parábola que trata do ouvir a mensagem do Reino. Mateus apresenta quinze vezes o verbo akouein, mas também utiliza o verbo sunienai (“entender”) em 13.13, 14,15,19, 23, 51. A razão por que Mateus, de alguma forma, cita Isaias 6.9b, 10 de modo redundante nos versículos 14b,15 e, seguramente, para incluir a expressão “compreenda com o coração”. Apesar de Marcos perguntar “Vocês realmente compreenderam a mensagem de Jesus?”, Mateus pergunta: “Vocês realmente compreenderam a mensagem de Jesus com o coração?” Lucas aperfeiçoou a seção como um todo, como e de costume, mas ela continua apresentando o verbo akouein nove vezes. Ele enfatiza que “a palavra” e a palavra de Deus (8.11).


Esta e a única parábola a qual todos os três Sinópticos incluem o adagio “quem tem ouvidos para ouvir que ouça”. Essa expressão também aparece em Mateus 11.15; 13.43; Marcos 4.23; 7.16 (na forma de uma variante); Lucas 14.35; Apocalipse 2.7,11,17,29; 3.6,13,22; 13.9. A origem parece ser Ezequiel 3.27.


Três parábolas do Antigo Testamento começam como Marcos, com a advertência para que “se ouça” (Jz 9.7; Is 28.23; Ez 20.47 [21.3]; cf. I o Enoque 37.2). Em outras partes o imperativo “ouça” e utilizado para introduzir porções do texto como em Mateus 15.10; 21.33; Marcos 7.14; 12.29 (ao citar o Shema); Lucas 18.6; Atos 2.22; 7.2; 13.16; 15.13; 22.1; Tiago 2.5.


Em todos os três relatos sinóticos, o tempo aoristo e utilizado para se referir ao que aconteceu com a semente que se perdeu, o qual Lucas, por sua vez, utiliza para descrever a semente produtiva. Mateus e Marcos, entretanto, mudam para o tempo imperfeito ao se referir a semente que deu frutos. Em todos três o tempo presente e utilizado ao longo de toda a interpretação.


Alguns provérbios ligados as parábolas por um evangelista apresentam uma ênfase diferente na redação de outro. O proverbio a respeito da luz em Marcos 4.21; Lucas 8.16 e similar ao de Mateus 5.15, mas em Mateus a luz que não pode ser escondida diz respeito ao discipulado e a evidencia das boas obras, ao passo que em Marcos e Lucas as parábolas são a luz que traz a revelação. Lucas repete uma forma desse proverbio em 11.33 em conexão com uma advertência a hipocrisia. O proverbio acerca da “medida” em Marcos 4.24 forma um paralelismo com Mateus 7.2/ Lucas 6.38, mas em Mateus e Lucas ele guarda relação com o julgamento feito as outras pessoas, ao passo que em Marcos ela diz respeito a forma como julgamos e, dessa maneira, recebemos a mensagem do Reino. A afirmação de Marcos em 4.25 (“Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”) aparece em Mateus 13.12 (antes da interpretação da Parábola do Semeador e não depois dela), mas também em Mateus 25.29 na conclusão da parábola dos Talentos.


Os três Sinópticos indicam que Jesus ensinava as multidões e depois passava mais instruções em particular para os discípulos, normalmente em resposta as suas perguntas (Mc 7.17-23; 9.28; 10.10; 13.3-36; Mt 13.36; 15.12; 17.10; 17.19; 19.23; Lc 10.23; 11.1; 17.22). Em Marcos, esse ensinamento particular normalmente ocorria em uma casa. O ensino geral para a multidão e o ensino particular adicional para aqueles que respondiam positivamente eram, sem dúvida, um modelo aplicado pelo ministério de Jesus.


Isaías 6.9b não é citado, mas resumido e modificado nesse processo. O hebraico apresenta imperativos em segunda pessoa para “ouvir” e “ver”, e o imperfeito em segunda pessoa para qal que significa “entender” e “perceber” no versículo 9. A LXX modificou “ouvir” e “ver” para a segunda pessoa no futuro do indicativo e utilizou o subjuntivo com uma dupla negativa enfática para traduzir “entender” e “perceber”. Ao fazer isso, essa tradução suavizou a ênfase rígida e modificou a responsabilidade de Deus para Israel. Todos os três evangelistas resumem as palavras de Isaías em um formato não derivado da LXX. Eles invertem a ordem de forma que o “ver” vem primeiro, utilizam particípios para “ouvir” e “ver”, e utilizam a negação simples. Mateus introduz o proverbio com hoti, utiliza a terceira pessoa do plural no indicativo (hoti blepontes ou blepousin... “porque vendo não verão...”), uma formula de cumprimento, e depois apresenta o texto completo da LXX de Isaías 6.9b, 10.14 Marcos apresenta o proverbio com hina, apresenta verbos adicionais em Isaias, utiliza subjuntivos plurais em terceira pessoa (hina blepontes bleposin kai me idosin... “para que vendo eles possam ver e não ver...”), e inclui mepote epistrepsosin kai aphethe autois (“para que não se convertam e isto lhes seja perdoado”) de Isaías 6.10. O uso de “perdoar” em vez de “sarar” está de acordo com a redação que o Targum apresenta para Isaías (bem como o uso das segundas pessoas no plural). Lucas, a exemplo de Marcos, apresenta hina e subjuntivos plurais em terceira pessoa, mas tal como faz Mateus, omite os verbos adicionais e Isaías 6.10b. Mateus e Lucas podem ser encarados como menos rígidos que Marcos na apresentação da severidade do tema, mas mantiveram a severidade em boa medida, não se distanciando muito de Marcos.


Ao contrário de Mateus e Lucas, Marcos preserva, no início da parábola (4.3), as duas palavras “ouvir” e “ver” (akouete e idou) que aparecem na citação de Isaías 6.9,10 e 4.12.


Jeremias 5.21 e Ezequiel 12.2 adotaram as palavras de Isaías 6.9,10 para expressar a dureza de coração e o juízo, e as palavras de Isaías tem um papel importante em outras passagens do Novo Testamento. Isaías 6.10 e aludido em João 9.39 e citado em João 12.40 para descrever o ministério de Jesus e a dureza de coração daqueles que não respondem a sua pregação. Isaías 6.9,10 também e citado em Atos 28.26,27 para descrever a dureza de coração daqueles que rejeitaram a mensagem de Paulo.

Marcos apresenta o tema da dureza de coração em 3.5; 6.52 e 8.17-21. Marcos 8.18 utiliza a linguagem do “ter olhos e não ver e ter ouvidos e não ouvir” de forma similar a Isaías 6.9, mas, na verdade, essa redação e oriunda ou de Jeremias 5.21 ou de Ezequiel 12.2, os quais, por sua vez, tomaram-na emprestada de Isaías. Dessa vez, entretanto, a linguagem da dureza de coração não e utilizada para se referir aos “de fora”, mas aos próprios discípulos de Jesus.


Mateus também apresenta várias passagens que demonstram a resistência a mensagem de Jesus: 11.16-19 (crianças desobedientes em um mercado); 11.20-23 (“ais” sobre cidades impenitentes); 12.1-8 (a colheita de espigas no Sábado: “Mas se vos soubésseis... não condenaríeis os inocentes”); 12.9-14 (o desejo de acusar e, depois, eliminar Jesus por causa da cura no sábado); 12.22-32 (a controvérsia acerca de Belzebu); 12.38-42 (o único sinal concedido seria o de Jonas, e os ninivitas que se arrependeram haveriam de julgar essa geração). Mateus, ao contrário de Marcos e Lucas, abre um parêntese entre os discursos das suas parábolas em que mostra cenas acerca da família de Jesus: 12.46-50 indica que a sua verdadeira família são aqueles fazem a vontade do Pai e 13.53-58 mostra que Jesus – a exemplo de todos os profetas - e rejeitado até pelos seus.


A importância da parábola do Semeador e especialmente evidente em Marcos. Ele apresenta somente duas seções de parábolas, as três do capitulo 4 e a parábola dos Lavradores Maus no capitulo 12. A centralidade do Semeador fica obvia a partir do versículo 4.13. M. Tolbert defende que as parábolas do capitulo 4 abrem a primeira divisão principal do Evangelho e que a parábola dos Lavradores faz a abertura da segunda. Para ela, essas duas parábolas resumem a visão que o Evangelho apresenta com Jesus sendo o semeador da palavra e o herdeiro da vinha. As duas parábolas, portanto, constituem essa Cristologia narrativa básica do Evangelho e resume a mensagem principal de Marcos.


Os temas da parábola são refletidos nas narrativas do Evangelho. As pessoas que se escandalizam pela palavra durante a perseguição (Mt 13.21; Mc 4.17; Lc 8,13) estão representadas em Mateus 11.6; Lucas 7.23; Marcos 6.3; Mateus 15.12; 24.10 e Mateus 26.31; Marcos 14.27. As pessoas iludidas pelas preocupações deste mundo, pelos enganos das riquezas e pelas ambições de outras coisas (Mt 13.22; Mc 4.18-19; Lc 8.14) estão representadas em Mateus 6.19-34; Lucas 12.22-34; pelos relatos do Jovem Rico (Mt 19.16-22; Mc 10.17-22; Lc 18.18-23) e pela parábola das Bodas (Lc 14.15-24).


Mateus 7.24-27; Lucas 6.46-49 (a parábola dos Dois Fundamentos) apresenta a mesma ênfase na importância de “um ouvir que não seja meramente ouvir”, mas “um ouvir que nos leva a agir”. Verifique a parábola dos Dois Filhos (Mt 21.28-32).


Informações Culturais

Imagens de sementes, de semeadura, da perda das safras e de colheitas abundantes estão entre as metáforas mais comuns para descrever as dificuldades, a prosperidade, a instrução, o juízo e benção de Deus na vida. E, provavelmente, sempre foi desse jeito, mas isso e particularmente verdadeiro para os escritos do Antigo Testamento, do Novo Testamento e do mundo greco-romano.


O fato de a parábola implicar que a semeadura vem antes ou depois da aradura da terra será analisado adiante. A quantidade de sementes produzidas tem sido fonte de debates. Será “cem para um” e um número exagerado justamente para significar uma colheita escatológica ou meramente uma “boa colheita”? As evidencias são, de certa forma, confusas, especialmente por que algumas pessoas acreditam que a referência e feita a produtividade de cada semente em especifico, ao passo que outros consideram que a referência e a produtividade do campo como um todo. Estimativas de produtividade normal registradas no mundo antigo variam de 3,75 a 7,5 para um, quando são considerados os campos, e de 7,5 a 33 para um, quando são consideradas as sementes de forma especifica, sendo que também existem relatos de produtividade no patamar de 150 para um. Apesar de haver uma certa incerteza, dois fatores indicam que o texto se refere a uma colheita abundante e não a uma “colheita escatológica”. Em primeiro lugar, em Genesis 26.12 somos informados de que o campo de Isaque produziu a 100 por um, ou seja, uma colheita abundante que representava a benção de Deus. A intenção aqui não era apresentar uma colheita miraculosa. Em segundo lugar, em outras passagens onde são feitas referências a colheitas no escbaton, os números são claramente fenomenais - 1.000 para um, ou mesmo 1.500.000 para um. Parece melhor concluir que estamos lidando com uma alta produtividade de sementes em especifico, uma colheita muito prospera, mas não irreal.


Mesmo na Galileia, a Palestina e abençoada com abundância de rochas. Em certas partes, o solo pode parecer bom, mas representa meramente uma fina cobertura para as rochas logo abaixo da superfície. A temperatura do solo e alta, o que faz com que as sementes brotem rápido, mas morram em função da pouca profundidade das raízes.


Explicação da Parábola: Opções de Interpretação

Em certo grau, a interpretação da parábola e determinada pelo fato de nos concentrarmos no semeador, na terra, na semente ou na colheita. Dessa forma, surgiram tantas ênfases diferenciadas que se sugeriu que a separação entre os elementos da parábola seria equivalente a fazer a separação da palha em um palheiro. As opções mais significativas são:


1. A parábola fala do milagre de que, apesar da desesperança e fracasso, o transbordar escatológico da plenitude de Deus trará o fim triunfante por Ele prometido. A ênfase desse ponto de vista esta colocada no contraste entre o fracasso e o sucesso e entre a graça e a desesperança avassaladora. Essa abordagem escatológica pressupõe que a produtividade da semente e irreal e, normalmente, envolve a rejeição da interpretação canônica, bem como qualquer relevância da citação a Isaias. Outras opções também rejeitam normalmente a interpretação e a relevância da citação a Isaías.


2. A parábola proporciona estimulo aos discípulos, apesar dos seus fracassos.


3. A parábola explica por que Israel rejeitou o Messias.


4. A parábola reflete a experiência de Jesus na sua própria proclamação.


5. A parábola enfatiza a eficácia da palavra proclamada e a certeza de um bom resultado, apesar do insucesso em alguns casos.


6. A semente e compreendida como uma representação do remanescente de Israel. O exilio terminou, pois Deus está semeando o Israel verdadeiro na sua própria terra. Uma ênfase implícita está no papel de Jesus na proclamação das Boas Novas do Reino.


7. Tanto a parábola quanto sua interpretação são uma midrash de Isaías 6.9,10. Nessa abordagem, a parábola foi estruturada tendo-se Isaías 6 em mente, e existe uma unificação entre a parábola, a interpretação e a citação.


8. A parábola se concentra na responsabilidade de ouvir, compreender e responder à mensagem de Jesus.


Essas opções não são mutuamente excludentes, mas as três primeiras, e em especial a primeira, apresentam uma contribuição muito pequena como expressão do objetivo da parábola. Claramente, diante do espaço destinado, a história da mais importância aos fracassos; todavia, ao final, coloca a sua ênfase na semeadura bem-sucedida. Qualquer explicação dessa parábola precisa fazer justiça tanto aos fracassos quanto ao sucesso e a forma como estes se relacionam ao ministério de Jesus, mas as chaves para a correta compreensão estão na opção seis, sete e oito. Esta parábola, como veremos, trata da semeadura que Deus faz do seu povo na terra como o cumprimento das suas promessas, o que está diretamente ligado a Isaías 6 e a sua mensagem acerca de como as pessoas ouvem e respondem a mensagem de Deus.


A Resolução das Questões

Como essa parábola e o seu conteúdo em cada um dos Evangelhos estão envolvidos de tal forma e como o relato de Marcos e o mais difícil e mais revelador, será mais fácil abordarmos primeiramente este Evangelho e tratar Mateus e Lucas de forma separada.


1. Qual é o significado da estrutura de Marcos 4, Mateus 13 e Lucas 8? A estrutura de Marcos 4 e absolutamente crucial para a compreensão da parábola e do seu propósito. As estruturas de Mateus e Lucas são similares as de Marcos em alguns pontos, mas não apresentam o mesmo grau de precisão. As estruturas desses dois evangelistas serão analisadas na seção que trata do formato de redação. Enquanto vários interpretes sugerem um quiasmo tetrapartido em Marcos 4.1-34,34 e mais exato falarmos em um quiasmo de sete partes:


A 4.1,2 Introdução da Narrativa


B 4.3-9 Uma Parábola da Semente (o Semeador)


C 4.10-12 Declaração Geral acerca do Objetivo das Parábolas


D 4.13-20 Interpretação do “Semeador”


C’ 4,21-25 Declarações Gerais Aplicadas as Parábolas


B’ 4.26-32 Duas Parábolas de Sementes (ou Grãos)


A 4,33,34 Conclusão Narrativa sobre o Uso das Parábolas


Está claro que este capitulo está engenhosamente organizado e não foi redigido de forma aleatória. Marcos abandona sua sequência da narrativa em 4.9 (onde Jesus estava ensinando a partir de um barco, w.1,2) e não a retoma até o versículo 4.35 (onde vemos Jesus novamente sobre um barco, agora se despedindo da multidão). Nesse interstício, Marcos insere na sua redação uma análise acerca das parábolas (4.10-34) enquanto Jesus está a sós com os discípulos, pelo menos em 4.13-25. A interpretação do Semeador está no centro do quiasmo e no foco central da seção. Os elementos paralelos do quiasmo não são idênticos, mas cada um deles lança luz sobre o outro. A passagem contida em 4.21-25, claramente, não e - como aparenta à primeira vista - uma reunião de provérbios difusos, mas se mostra como parte central na compreensão do pensamento de Marcos. Esses versículos tanto formam um paralelismo quanto proporcionam um comentário sobre 4.10-12, além de realçar os temas do Semeador. Nada há de oculto que não seja revelado; ou seja, nada do que é colocado nas parábolas existe sem a função de “revelar”. As parábolas ocultam com o objetivo de revelar. Os versículos 23,24 desafiam as pessoas a ouvir e as advertem a serem cuidadosas na forma como ouvem, tal qual também fazem as parábolas. Os versículos 24,25 proporcionam uma percepção acerca de 4.12, como veremos adiante.


Além disso, Marcos utiliza a técnica da intercalação; ou seja, ele faz um parêntese em uma seção antes e depois com informações que proporcionam uma ajuda a nossa compreensão. Três parênteses são evidentes nessa passagem: 3.31-35 (a passagem acerca da família verdadeira de Jesus) e 4,10-12 servem de parênteses para a parábola com a sua ênfase nos de fora; 4.1-9 e 13-20 servem de parênteses para 4.10-12 com ênfase no ouvir; e 4.10-12 e 21-25 servem de parênteses para a interpretação, a fim de realçar o “ouvir” e a “resposta” a mensagem. Tanto 3.31-35 quanto 4.10-12 estão voltados para “os de fora”, e os de fora, claramente, não fazem parte das multidões que respondiam e se reuniam em torno de Jesus prontos para fazer a vontade de Deus (3.34,35). As pessoas que se reuniam em torno de Jesus desejosas de seguir a vontade de Deus são uma representação da terra boa na parábola do Semeador. As pessoas de fora eram a mãe e os irmãos de Jesus em 3.31-35, que representam as pessoas que deveriam ter respondido a sua mensagem, mas não o fizeram (cf. 6.1-6). Seguramente, um grupo “de fora” mais amplo está representado em 4.11, porem todos os demais que estiverem incluídos serão aqueles que deveriam ter respondido positivamente e não o fizeram.


2. Como devem ser entendidas as palavras difíceis de 4.10-12? O material contido em 4.10-12, com sua adaptação de 6.9,10, foi objeto de um enorme debate, mas continua sendo chave no entendimento dessa parábola. Seria mais fácil ignorarmos esses versículos. A linguagem e difícil e áspera, e parece nos dizer que Jesus contava as parábolas para evitar que as pessoas entendessem a mensagem, para que não se arrependessem e fossem perdoadas - exatamente o contrário de tudo o que se pensa ser correto acerca do uso que Jesus fez das parábolas. Não e de surpreender que esses versículos tenham sido omitidos no manual padronizado de pregação, e entre os eruditos a sua autenticidade como ditos vindos da boca de Jesus e, de fato, frequentemente negada. Os versículos são atribuídos a Marcos ou a sua tradição e encarados como uma tentativa de explicar por que os judeus não vieram a crer. Os evangelistas são culpados por qualquer ideia que as parábolas transmitam, já que se presume que o objetivo de Jesus ao utilizar as parábolas era somente ser claro e convincente. Dan Via chega ao ponto de concluir que Marcos considerava as parábolas como mecanismos inúteis, o que é difícil de imaginar.


Várias explicações buscam suavizar a linguagem ou apresenta-la de modo mais palatável. Jeremias e outros defendem que os versículos 11,12 foram falados por Jesus, mas não nesse contexto e não especificamente acerca das parábolas. Para eles, esses versículos dizem respeito a pregação de Jesus de forma geral e nos ensinam que a presença do Reino foi revelada aos discípulos, mas permanecia obscura para os de fora porque eles não reconheceram a sua missão e não se arrependeram. Hina no versículo 12 e compreendido, não como “a fim de que”, mas como se fosse hina plerothe, “a fim de que (as Escrituras) pudessem ser cumpridas”. A dificuldade de mepote (“a fim de que... não”) e removida ao percebermos a similaridade de Marcos 4.12 com a tradução que o Targum apresenta para Isaías 6.10, a qual apresenta a palavra aramaica dilma (“a não ser que”) e ao se defender que Marcos também quis expressar a ideia de “a não ser que”, de forma que a passagem e, na verdade, uma promessa de perdão. Esta solução se mostra como algo fabricado, mas continuamos, ainda, com a impressão de que “fizemos um remendo” no texto. Além disso, se Jesus pudesse ter defendido esse tipo de ideia acerca da revelação aos seus discípulos e concordado em que outros tantos ficassem na escuridão acerca do seu ensino sobre o Reino, por que Ele não poderia também ter tido este tipo de ideia acerca do seu ensino baseado nas parábolas?


T. W. Manson considerava que Marcos 4.12 não passa de absurdo e sustentava que Marcos havia entendido erroneamente a expressão aramaica ambígua de como hinay quando ela deveria ser compreendida como hoiy o pronome relativo “quem”. A passagem simplesmente descreve a dureza que o povo já tinha, e não era o objetivo do uso das parábolas.


Outros apontam para o uso que Mateus faz de hoti (“porque”), e não de hina, em 13-13 e para o fato de que hina pode significar “porque” (por exemplo, Ap 14.13; 22.14).45 Outros, ainda, defendem o significado “para que” que e também um sentido legitimo de hina (por exemplo, João 9-2; Gl 5.17). T. Weeden chega a concluir que esses versículos (junto com a maior parte do capitulo 4) pertenciam aos opositores de Marcos, uma posição difícil de ser fundamentada.


Esse texto e formidável, talvez severo, mas será que ele nos parece absurdo por que o lemos de maneira literal e grosseira, e não prestamos atenção suficiente ao seu contexto? Jesus jamais contava parábolas para dificultar o entendimento, embora elas não sejam historietas pudicas e algumas delas apresentem certo ar enigmático. Tampouco Marcos apresenta uma teoria de que elas sejam obscuras e incompreensíveis. Marcos apresenta relativamente pouca extensão de ensino por parte de Jesus, mas um dos seus dois maiores blocos de ensino são as parábolas do capitulo 4. Além disso, Marcos apresenta somente quatro parábolas narrativas - o que não e muito para servir de base para uma teoria e uma delas e compreendida muito bem pelos opositores de Jesus (12.1-12). Além disso, como tem sido mostrado pelo menos desde Crisostomo, se Jesus quisesse impedir a compreensão, teria sido mais fácil simplesmente ter ficado calado. O mesmo vale para Marcos.


Jesus não escolheu as parábolas por acaso, como um simples meio de comunicação. As parábolas são instrumentos proféticos, a linguagem dos profetas veterotestamentarios, que ocorrem especialmente em contextos de juízo e acusação. Posteriormente elas passam a ser instrumentos apocalípticos e, ainda mais tarde, com os rabinos, passam a ser ferramentas exegéticas, mas com Jesus elas são, primariamente, um modo de comunicação profética. As parábolas esclarecem e instruem, mas, normalmente, são portadoras de uma mensagem que as pessoas não querem ouvir. Jesus se apresentava, de modo consciente, como um profeta, um ponto que N. T. Wright enfatizou corretamente, e o uso que Ele fazia das parábolas era um meio adequado e eficaz de apresentar a sua mensagem profética. Mateus 13.34,35 indica precisamente essa ideia ao citar Salmo 78.2 a fim de mostrar que os ensinos de Jesus nas parábolas cumprem as palavras do profeta: “Abrirei a boca numa parábola; proporei enigmas da antiguidade”. Jesus, seguramente, via-se como mais do que um profeta, porem o modelo inicial para a sua compreensão e o do profeta. A exemplo dos profetas do Antigo Testamento, Ele anunciava tanto o juízo quanto a libertação da parte de Deus. Ele se apresentava por intermédio da linguagem dos profetas (por exemplo, Lc 4,18,19; Mc 11.17) e em comparação explicita a eles (por exemplo, Lc 4.25-27), bem como executava atos simbólicos tal qual eles faziam (tanto milagres quanto atos como a “entrada triunfal”). Ao contrário dos profetas, a sua mensagem era de que o tão esperado Reino já estava em operação e, com a proclamação do Reino, Ele fazia um chamado ao arrependimento e a reconstrução da nação sob a sua liderança. A compreensão de Marcos 4.10-12 começa com o reconhecimento do papel de Jesus como profeta.


A passagem de Isaías 6.9,10 também não foi escolhida a esmo. Se considerarmos que Marcos 4.10-12 e uma passagem difícil, o problema com Isaías 6.9-13 será ainda maior, Se Marcos desejava enfatizar que Jesus ensinava para evitar a compreensão, poderia ter utilizado as palavras ainda mais ásperas de Isaías 6, que foram omitidas: “Engorda o coração deste povo, e enderece-lhe os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; não venha ele a ver com os seus olhos, e a ouvir com os seus ouvidos, e a entender com o seu coração, e a converter-se, e a ser sarado” (Is 6.10). Essas palavras não refletem meramente o resultado da pregação de Isaías da perspectiva do final da sua vida. Elas são, no mínimo, como defendeu C. F. D. Moule, uma maneira vigorosa de afirmar o inevitável - o fato de que Israel não ouvira, nem se arrependera - e uma descrição, em forma de hipérbole, das condições enfrentadas por Isaías no seu ministério. Contudo, mais do que isso, elas expressam um tema comum dos profetas: Israel está demasiadamente desviado e o juízo já está decretado. A nação recusou-se a aceitar os apelos de Yahweh e o chamado de Isaías pressupõe que o endurecimento já ocorreu e o juízo está a caminho - que são temas recorrentes em Isaías 1-5. Palavras assim tão severas acerca da rebelião de Israel e da certeza do juízo são aspectos corriqueiros nos escritos proféticos. O objetivo não e que Isaías deva, verdadeiramente, fazer o que dizem esses versículos e, como vemos, ele não o faz. A negligencia em ouvir e ver já e fato consumado. Mesmo assim, apesar de a nação estar demasiadamente desviada, Isaías repreende o povo para que deixe de ser rebelde e se volte para Deus.


Mesmo que chamemos chamamos Isaías 6.9,10 de ironia, de uma tentativa de provocar o arrependimento por intermédio do choque ou de psicologia inversa, o fato e que essas palavras não devem ser tomadas no sentido literal, O efeito retorico prático e instar as pessoas a ouvir em um contexto no qual o juízo e certo e onde existem promessas de que um remanescente se voltara para Deus e recebera a benção da parte de Yahweh. O leitor ideal desejara fazer parte desse remanescente. Além disso, ao se inverter as imagens em Isaías 6,9, a promessa para o futuro e que os surdos passarão a ouvir e os cegos a enxergar (Is 29.18; 35.5). O uso das palavras de Isaías 6.9,10 por escritores posteriores nos mostra que essa passagem se tornou a representação clássica da recusa ao ouvir.


Apesar da mensagem de juízo e da expectativa de uma resposta negativa por parte das pessoas, a palavra de Deus ainda precisaria ser proclamada. Até mesmo a mensagem áspera de Isaías vai em busca de ouvintes e ganha discípulos (8.16-18). A função dessa linguagem e tanto a de servir como uma advertência acerca do que está ocorrendo – que o juízo e inevitável, que as pessoas não responderam, nem responderão, de forma positiva — quanto de servir como um desafio e um convite as pessoas para que se sensibilizem e ouçam a palavra e se arrependam.


Quatro coisas ficam obvias: (1) a linguagem severa de Isaías 6.9,10 e um instrumento profético para advertir e desafiar; (2) ela expressa a certeza do juízo vindouro de Deus sobre um povo que deixou de ouvir; (3) as palavras de Isaías 6.9 se tornaram a forma clássica de se expressar a dureza de coração do povo; e, (4) a proclamação ainda nutre a expectativa de que alguns ouvirão e seguirão.


Como o próprio Jesus se identificou como um profeta e como Isaías 6.9.10 e uma forma clássica de expressar o que ocorre com os profetas, a citação se torna compreensível. Ao fazer um paralelo entre si mesmo e Isaías, Jesus tomou essas palavras a respeito da dureza de coração para descrever o seu próprio ministério, tal qual fizeram também Jeremias e Ezequiel. Jesus fez um paralelo intencional entre o seu ministério e o livro de Isaías de forma que existe uma correspondência histórica entre o profeta Isaías e o profeta Jesus.


Além disso, nesse contexto como um todo, Isaías 6.9,10 tem um significado mais amplo do que se percebe normalmente. O paralelo de Marcos 4.10-12 com 3.31-35 e 4.21-25 assinalado pelo “parênteses” que vimos e a localização estratégica desses versículos entre a parábola do Semeador e a sua interpretação nos mostra que a citação de Isaías 6.9.10 e, simultaneamente, o ponto de partida e o ponto de referência para a organização desta seção de Marcos.66 Marcos liga a parábola a citação de Isaías 6.9,10 de forma mais dramática que os demais evangelistas, apesar de esta ligação ter se perdido nas traduções. Marcos começa a parábola com “ouvir, ver” (akouette, idou) que ocorrem no versículo 12 da citação de Isaías. Mesmo assim, a citação de Isaías 6.9,10 não e simplesmente um expediente utilizado por Marcos, uma ruptura entre a parábola e a interpretação que talvez se refira, possivelmente, ao ensino de Jesus de forma geral. Tudo indica que a parábola do Semeador seja baseada nas ideias de Isaías 6.9-13. E estranho que tantas pessoas ignorem o fato de que Isaías fale acerca do “ouvir” e se refira explicitamente ao remanescente fazendo uso da imagem da “santa semente” (Is 6.13c), uma referência que o Targum interpreta como o retorno dos exilados. Esse conjunto de relações dificilmente seria uma coincidência.


John Bowker defendia que a parábola do Semeador e a sua interpretação deveriam ser compreendidas como uma exposição de Isaías 6.69 De maneira similar, N. T. Wright sustentava que a parábola retratava Yahweh fazendo uma nova semeadura do Israel verdadeiro, o remanescente santo, na sua própria terra e, no processo, a parábola opera por meio da criação da situação onde o “ter ouvidos para ouvir” seja uma marca do remanescente verdadeiro dentre os israelitas. Para Wright, a parábola e uma história da volta do exilio que ocorre dentro da obra do próprio Jesus. Apesar de Wright, as vezes, acabar enxergando coisas demais dentro das parábolas, o seu instinto acerca do Semeador está correto. Ao adaptar Isaías 6, a parábola aponta para o fato de a semente de Deus estar sendo semeada na proclamação do Reino. O envolvimento no Reino dependera da receptividade que a semente proclamada recebe por parte dos ouvidos e do coração das pessoas. Algumas pessoas se fecham a proclamação, tal qual ocorreu nos dias de Isaías, e colocam a si mesmas fora daquilo que Deus está fazendo. Essa abordagem não pressupõe que Marcos 4.3-20 seja entendido como sendo, originalmente, uma unidade; pressupõe apenas que Isaías 6 seja a origem da ideia que levou a criação da parábola.


Outro ponto se mostra crucial: como E. Lemcio e outros já perceberam, a sequência da parábola (ou revelação), a afirmação da dificuldade de interpretação ou o pedido de explicação, seguidos da interpretação, seguem um modelo apocalíptico-revelacional. Apesar de muitas parábolas não se encaixarem nesse esquema apocalíptico-revelacional, e exatamente este o modelo que encontramos em Marcos 4.3-20. Esse modelo também inclui a ideia de que a verdade na parábola permanecera oculta para alguns, sendo que 2 Bar: 51,1-6 chega ao ponto de contrastar os justos que plantaram a raiz da sabedoria no coração com os culpados que desprezaram a Lei e fecharam os ouvidos para que não ouvissem a sabedoria e recebessem a inteligência. Esse último texto oferece um paralelo para a compreensão de mepote (“a fim de que não”) em Marcos 4.12/Mateus 13.15. Não e Deus que procura se opor a conversão e ao arrependimento, mas as próprias pessoas.


As palavras de Isaías 6.9,10 devem ser entendidas não de forma literal, mas como palavras realmente duras. Elas expressam, por meio de uma hipérbole, o que já aconteceu em função da dureza do coração das pessoas e da sua má vontade em ouvir a mensagem de Deus. Elas funcionam como uma ironia, uma provocação que serve para despertar os ouvidos e a obediência. O uso que Jesus faz da citação e a estruturação da parábola sobre ela tem a mesma função.


Com essa estrutura, muitas das perguntas de Marcos 4.10-12 podem ser reconsideradas. A tentativa de diminuir o impacto de hina e desnecessária. Esse vocábulo pode ser uma abreviatura de hina plerothe (“a fim de que isto possa se cumprir”), mas se assim for, a intenção será de dizer que o que ocorreu com Isaías está ocorrendo novamente com Jesus. Afirmar que hina indica causa ou efeito não e tão errado quanto improprio, pois, dessa forma, perde-se o impacto das palavras. Jesus faz aqui um paralelo com a resistência obstinada de Israel nos dias de Isaías para advertir e estimular a atenção dos ouvintes em um contexto de juízo. A sua mensagem do Reino e, em parte, uma mensagem de juízo. A redação de Marcos nos mostra que Ele também busca estimular os ouvintes. Também não há qualquer necessidade de se interpretar mepote como se o seu significado fosse “talvez” e sustentasse certa esperança. Ha esperança, mas somente se o efeito retorico do choque da citação de Isaías faz com que as pessoas abram os seus ouvidos a mensagem.


Uma série de perguntas continuam pendentes. Quem seriam as pessoas que ficam “de fora”? Somente Marcos faz uso dessa descrição nesse ponto. A maior parte dos interpretes pula para a conclusão de que “os de fora” seriam as multidões, ao passo que os discípulos seriam “os de dentro”. Isso parece se encaixar com 4.34 num primeiro momento, mas não se enquadra muito bem no contexto geral do Evangelho de Marcos. As multidões que se reuniam em torno de Jesus o ouviam de bom grado; a oposição a ele surge a partir dos líderes religiosos e da sua própria família (observe especialmente as passagens 3:21-32 e 7,6,7). A expressão utilizada por Marcos “os que estavam junto dele com os doze” (Mc 4.10)78 deixa claro que a distinção não era entre os discípulos, numa concepção mais restrita, e as multidões. Um grupo maior de seguidores está sendo vislumbrado. “Os que estavam junto dele” e a mesma expressão utilizada em 3.34 para fazer menção aos obedientes. Isso lança por terra uma interpretação antissemita que considera os judeus como os “de fora” e os cristãos como os “de dentro”. A expressão “os de dentro” não se refere as multidões em geral - a algum grupo predeterminado - mas as pessoas como as componentes da família de Jesus e aos líderes religiosos que não estavam prontas a ouvir e fazer a vontade do Pai. E a postura de boa vontade em ouvir e obedecer que determina se estamos “dentro” ou “fora”.


Será que Marcos enxerga as parábolas como obscuridades que deixam algumas pessoas propositadamente “de fora”? Esta e a maneira pela qual as “parábolas” em 4.11, normalmente, são compreendidas, mas isso e estranho e vai de encontro a tudo o que sabemos acerca da função que as parábolas têm de demonstrar e esclarecer. Ela também cria dificuldades com 4.33, onde claramente vemos que a função das parábolas e facilitar o “ouvir” (“segundo o que podiam compreender”). Em 3.23, por meio das parábolas Jesus “intima”, “convida” (proskalesamenos) os seus oponentes a uma mudança de pensamento. J. Bowker sugere que consideremos en parabolais (“em parábolas”) de 4.11 “não no sentido de ‘de forma enigmática’, mas de ‘na ilustração mais clara possível’”, a fim de que não reste “nenhum tipo de ilusão acerca daqueles que deixaram de receber o Reino de Deus ou de entrar nele”. Elas deixam clara a natureza e o caráter daqueles que as ouvem. E isso que as parábolas fazem: elas confrontam, ocupam, forcam o raciocínio e promovem a ação, entretanto e demasiadamente limitado entendermos en parabolais como “na ilustração mais clara possível”. Pelo seu próprio caráter de metáfora, as parábolas apresentam uma qualidade obscurecedora, umas mais do que as outras e, em especial num ambiente de oposição, elas falam de forma indireta o que não pode ser abertamente dito. Elas podem ser misteriosas, mas, quando isso ocorre, o objetivo e estimular o raciocínio. Elas tanto escondem quanto revelam, e dizer que “para os de fora todas as coisas acontecem em parábolas” e dizer o que 4.33 e 3.23 implicam: Jesus, da mesma forma que todo bom profeta, considerava que as parábolas serviam para apelar e facilitar a audição e compreensão dos temas. Quando as parábolas encontravam pessoas receptivas, explicações mais detalhadas eram dadas. Quando não havia uma resposta positiva, a mensagem se perdia.


Marcos não e o único a afirmar que a mensagem de Jesus era oculta para alguns e revelada para outros ou que algumas pessoas se recusavam a ouvir ou ouviam com dificuldade. A revelação de Deus não e simplesmente lançada ao vento e compreendida na pressa. Em Mateus 11.25,26; Lucas 10.21,22 Jesus agradece ao Pai por esconder “estas coisas dos sábios e revela-las aos pequeninos” (cf. 1 Co 2.6-16). Em Lucas 19.41,42, Jesus chorou diante de Jerusalém porque as coisas pacificas haviam ficado escondidas dos olhos dela. Em João 6.60, em resposta aos ensinos difíceis de Jesus, alguns dos seus discípulos comentaram e perguntaram: “Duro e este discurso; quem o pode ouvir?” Em João 8.43 Jesus pergunta por que as pessoas não compreendem o que Ele diz e responde: “Por não poderdes ouvir a minha palavra”, o que, no contexto, claramente significa que aquelas pessoas não estavam dispostas a ouvir. Em João 12.39,40, ao termino do ministério público de Jesus, são citadas as passagens de Isaías 53.1 e 6.10 para explicar a incredulidade dos judeus, e logo antes da citação de Isaías 6.10 o evangelista observa: “Por isso, não podiam crer”. A linguagem de poder ou não crer guarda uma relação com Marcos 4.33: “E com muitas parábolas tais lhes dirigia a palavra, segundo o que podiam compreender”. Por fim, Lucas cita Isaías 6.9,10 no final de Atos para explicar a falha dos judeus em crer na pregação de Paulo em Roma.


Nenhuma dessas passagens nem Marcos estão tratando de alguma espécie de “endurecimento divino” e, seguramente, não estamos falando de ideias acerca da predestinação. A ênfase está colocada na responsabilidade humana e na boa vontade em ouvir e não reproduzir o modelo da recusa de Israel em ouvir os mensageiros de Deus (cf. 12.1-12). As pessoas se colocam do lado de dentro ou de fora de acordo com a resposta que dão a mensagem e a sua posição não está permanentemente determinada. A mesma linguagem da “dureza de coração” e de “ter olhos e não ver” e “ter ouvidos e não ouvir” e utilizada para se referir aos Doze em 8.17,18 (cf. 6.52 e também 3.5). A questão e se as pessoas - discípulos ou não - respondem a mensagem ou são culpadas de incorrerem em endurecimento de coração que impede o entendimento. Na verdade, em função do restante do Evangelho de Marcos, a interpretação da Parábola do Semeador parece tanto ser um alerta aos discípulos quanto uma descrição do ministério de Jesus em geral.


As parábolas nem sempre são obvias e autoexplicativas, mas mesmo quando elas são enigmáticas, o seu objetivo e esclarecer. Até mesmo a incerteza da referência feita por ela e parte do apelo e, normalmente, um meio da sua eficácia. Elas jamais têm por objetivo o ofuscamento da mensagem. Não e isso que Marcos quer dizer com a palavra mysterion em 4.11. Os “mistérios” no mundo semita não se referem aquilo que e misterioso e desconhecido, mas a revelação, aquilo que seria desconhecido caso Deus não tivesse revelado. Dizer que “A vós vos e dado saber os mistérios do Reino de Deus” e dizer que “a revelação de Deus acerca do reino vos foi entregue”. (Cf. Mt 13.16,17; Lc 10.23,24.) O conceito do mistério de Deus guarda uma relação inerente com a receptividade que mensagem recebe por parte das pessoas. M. Boucher comenta: “O mistério tem total relação com a nossa boa vontade de receber o ensino ético e escatológico de Jesus”. Suas parábolas revelam o Reino de Deus e nos proporcionam ferramentas para a sua compreensão. O teor da revelação se concentra na obra presente do Reino que ocorre no ministério de Jesus, mas também inclui - como atestam outros textos e parábolas - o caráter oculto do Reino e o fato de acharmos a nossa vida ao perdermo-la.


Ainda nos restam coisas a serem ditas acerca do significado dessa parábola e dessa porção como um todo do livro, mas já deve estar claro que a citação de Isaías 6.9,10 e a chave para a compreensão é e, na verdade, a origem da parábola.


3. Será que a interpretação pertence, originalmente, a parábola tal qual ela foi contada ou e resultado de uma alegorizacão feita pela Igreja Primitiva? Desde que Julicher lançou a sua obra, grande parte dos estudiosos do Novo Testamento rejeita a interpretação da parábola como uma alegorizacão feita pela Igreja Primitiva. Várias hipóteses levaram a essa conclusão: o menosprezo as alegorias; a suposição de que as parábolas não necessitam de explicação; o fato de o Evangelho de Tome não apresentar a interpretação; a inconsistência de a semente ser, ao mesmo tempo, a palavra e as pessoas (Mc 4.14 e 15-20); a falta de semitismos na interpretação; e a convicção de que o vocabulário da interpretação era o vocabulário utilizado pela Igreja Primitiva. Muitos, desde então, simplesmente consideram que Jeremias não deixou dúvida de que a linguagem da interpretação - ao contrário do vocabulário utilizado no corpo de texto da parábola - e mesmo o da Igreja Primitiva. Nos dias de hoje, entretanto, uma mudança significativa claramente já ocorreu. Muitos, agora, argumentam que a interpretação canônica e autentica ou, no mínimo, e “possivelmente autentica”. Incluídos nesse número estão os quatro comentários mais significativos recentemente lançados sobre Mateus e vários outros sobre os demais Evangelhos. Os comentários de U. Luz são marcantes: “Juntamente com outros, considero que a parábola quadrupla da semente tinha exatamente o significado expresso na interpretação apresentada em Marcos 4.13-20. No início ela era uma 'parábola sobre parábolas’, ou uma meditação sobre os vários ouvintes da proclamação de Jesus. A interpretação se encaixa exatamente com o caráter original de uma parábola quadrupla”.


Essa mudança e o resultado de vários desenvolvimentos. Embora tenham sido necessários tempo e esforços, as teorias de Julicher acerca das parábolas e das alegorias acabaram caindo em descredito. As parábolas - sejam elas do Antigo Testamento sejam oriundas dos escritos judaicos ou gregos - normalmente apresentam uma explicação. Os formatos das parábolas variam bastante e nem todas apresentam uma interpretação detalhada, porem muitas, de fato, apresentam! As alegorias não são vistas como um gênero separado por algumas pessoas, mas, de qualquer forma, passaram a ser consideradas uma forma válida de expressão. De modo crescente, o Evangelho de Tome está sendo visto como oriundo do século II e, portanto, de certa forma, também dependente dos Evangelhos canônicos, o que torna fraca a reivindicação de que possua uma versão anterior dessa parábola. A tensão de a semente ser, simultaneamente, a palavra e as pessoas e vista como algo natural, e a lista aparentemente impressionante de provas linguísticas de Jeremias, quando analisada com mais detalhe, também se mostra bastante confusa. Também contribuiu para essa mudança o reconhecimento do papel de Isaías 6 e do modelo apocalíptico-revelacional anteriormente mencionado, o qual mostra como Marcos 4.3-20 funciona como uma unidade.


Algumas pessoas exageram o tema da colheita escatológica na parábola e a contrastam com as preocupações parenéticas da interpretação, mas, independentemente do que seja dito, a interpretação se encaixa com o corpo da parábola. Até que ponto essa parábola e escatológica e uma questão controvertida, no entanto qualquer interpretação que se concentre apenas na semente que cresceu perfeitamente despreza a parte principal da narrativa. Até mesmo Julicher admitia que a parábola estava estruturada para a interpretação, chegando ao ponto de admitir que ambas remontavam a Jesus, mas, ao final, concluindo que a parábola foi aumentada quando a interpretação foi acrescentada. Vários estudiosos admitem que a parábola não é compreensível sem a interpretação, mesmo quando eles a rejeitam, e outros reconhecem que a interpretação está próxima do proposito da parábola.


Apesar de algumas parábolas serem deixadas sem interpretação, vimos que no Antigo Testamento, no judaísmo e no mundo greco-romano tanto as explicações quanto as interpretações são, normalmente, explicitas, mesmo quando estas se apresentam na forma de uma simples frase curta, uma nimshal, para esclarecer o tema da parábola. Quem duvidar disso simplesmente não leu esses escritos ou se torna culpado de uma negação cega daquilo que é obvio: as correspondências estão no cerne exato do argumento analógico. As identificações dos temas de uma parábola são, às vezes, implícitas porque a analogia e óbvia. Identificações alegóricas expandidas tal como vemos no Semeador são menos frequentes, em especial no Novo Testamento, mas continuam sendo muito comuns nas parábolas da antiguidade, tal como uma análise das seções de fontes primarias deste livro poderão demonstrar. As vezes, as identificações utilizam especificamente expressões como “este/a e” ou “estes/as são”. Se os sonhos e visões no Antigo Testamento apresentam correspondência ponto a ponto, se lEn. 89.10—90.39 pode ter uma história “zoomorfica” elaborada do mundo, se lQpHab 12.2-10 pode interpretar Habacuque 2.17 alegoricamente, se os provérbios e as parábolas judaicas anteriores e posteriores e as “alegorias” cristas primitivas podem ter uma explicação ponto a ponto, com que base poderíamos afirmar que o mesmo não acontece com as parábolas de Jesus? Na verdade, o que vemos nesta parábola não e uma parábola, mas quatro similitudes e, se alguma das imagens da semente e da terra fosse apresentada e explicada por si mesma, ninguém se espantaria. Temos quatro imagens em formato de parábola que foram juntadas para mostrar o contraste entre duas formas de “ouvir”, uma bem-sucedida e uma malfadada. O Semeador, a exemplo de muitas parábolas, precisava de uma explicação e a interpretação apresentada não e suspeita simplesmente por ser uma interpretação ou por conter aspectos “alegóricos”. Ao mesmo tempo, deveríamos notar que dois dos aspectos mais relevantes para a vida da Igreja não são explicados na interpretação, a saber: a identidade do semeador e o significado do fruto. Isso dificilmente se enquadraria como algo originário da Igreja. Além disso, nem Mateus nem Lucas apresentam qualquer explicação acerca da variação da produtividade.


A outra base mais comumente utilizada para se rejeitar a interpretação tem sido o argumento linguístico de Jeremias de que a interpretação e a linguagem da Igreja Primitiva, mas este e outro caso em que a ladainha das minucias se mostra como uma ilusão, que e adotada por alguns sem a devida analise. Jeremias considerou particularmente ofensiva a expressão ho lógos (“a palavra”) utilizada como uma expressão técnica para o evangelho, a qual, segundo ele, ocorre nos adágios de Jesus somente na interpretação dessa parábola, mas e Jeremias - não Marcos - que interpreta ho lógos desta maneira. Na verdade, os evangelistas não consideram ho lógos, de forma alguma uma expressão técnica. Além disso, seria justo provocarmos tanta celeuma com a expressão absoluta ho lógos? Seria ela tão diferente de expressões como “minhas palavras”, “estas palavras” ou “a Palavra de Deus”? Lógos e ho lógos (ou o termo dabar do hebraico ou aramaico) são maneiras típicas de se referir a uma mensagem, um discurso ou a um ensinamento, especialmente quando se trata de uma mensagem profética. Que outra palavra Marcos deveria ter utilizado para se referir aos ensinamentos de Jesus? A estilização de redação obviamente ocorreu, mas ho lógos não demonstra que a interpretação seja uma formulação da Igreja Primitiva.


Muitas das palavras que Jeremias lista ocorrem de forma muito rara no Novo Testamento, como atestam as próprias notas de rodapé do seu trabalho, e estas dificilmente poderiam ser consideradas palavras de uso comum no linguajar da Igreja Primitiva. Por exemplo, ele indica paralelos com “receberam a palavra com alegria”, mas essa expressão ocorre somente em 1 Tessalonicenses 1.6, que utiliza dechesthai para “receber” (tal como ocorre em Lucas), e não lambanein, como em Mateus e Marcos. Speirein (“semear”) com o sentido de “pregar” ocorre somente em 1 Coríntios 9.11. Jeremias encontra paralelos para riza (“raiz”) como sendo uma metáfora para a instabilidade interior somente em Efésios 3.17 e Colossenses 2.7, apesar de o texto das duas epistolas utilizar um particípio. Só que essa metáfora e comum tanto no Antigo Testamento quanto em outras literaturas, e a sua origem não pode ser atribuída a Igreja Primitiva. Proskairos (“temporário”) ocorre em outras partes do Novo Testamento somente em 2 Coríntios 4.18 e Hebreus 11.25, e nenhuma delas em um contexto de receptividade a palavra. Outros exemplos poderiam ser apresentados, mas estes já são suficientes para mostrarmos que a lista de Jeremias, na verdade, não prova nada. A sua reclamação de que a escatologia da parábola foi modificada para fins exortativos pela Igreja desconsidera o fato de que este campo metafórico tem sido utilizado para fins parentéticos há séculos. A linguagem da interpretação se encaixa com o tema e contexto do ministério de Jesus de forma tão fácil quanto se encaixariam no contexto da pregação da Igreja Primitiva.


Os adágios de Jesus foram estilizados tanto na tradição oral, quanto na redação aplicada pelos evangelistas, mas a interpretação continua se encaixando com a parábola e apresenta um forte apelo de que foi, em algum formato, a explicação que o próprio Jesus deu aos seus discípulos.


4. Será que alguém faria uma semeadura desta forma? Deveríamos supor que o semeador era uma pessoa desleixada e semeia de forma negligente ou que isso e somente uma descrição do que acontecia na semeadura no mundo antigo? Já se gastou mais tinta do que o necessário nessa questão, mas é preciso dedicarmos um pouco de atenção a ela porque os atos do semeador parecem estranhos, pelo menos, a partir das práticas agrícolas modernas. J. Jeremias defendeu que a parábola trata de um procedimento normal que presumia que a semeadura antecedia a aradura e que nenhuma semente era desperdiçada ou lançada de forma desleixada. K. D. White apresentou evidencias de que a aradura antecedia a semeadura. Jeremias respondeu com uma análise mais categorizada ao afirmar que a semeadura e feita com mais frequência antes da aradura, salvo no caso da semeadura tardia, na qual, ocasionalmente, a aradura e feita tanto antes quanto depois da semeadura. Jeremias agarrou-se a afirmação de que, em qualquer caso, depois da semeadura a semente e arada para dentro do solo.


As evidencias mostram que a aradura ocorria tanto antes quanto imediatamente depois da semeadura. A aradura antes da semeadura era recomendada, mas nem sempre realizada. Independentemente do tipo de preparo que a terra recebia antes da semeadura, a aradura se seguia de imediato, a fim de que a semente fosse enterrada. Não sabemos se a aradura vinha antes nesse caso e a parábola não coloca muita ênfase nesse aspecto. As parábolas não nos fornecem detalhes desnecessários, nem faz parte da sua ênfase o fato de o semeador fazer o seu trabalho de forma desleixada ou descuidada, nem mesmo quando se trata do caminho, onde a semente, evidentemente, não cresceria, e não se poderia tirar conclusões teológicas acerca desses detalhes. O importante e que o Semeador lançou a sua semente e obteve vários resultados. Um agricultor não semearia de modo intencional em um caminho; entretanto, ocasionalmente, algumas sementes podem cair ao longo dele. O fato de algumas sementes terem caído junto aos espinhos poderia significar que a semente foi semeada no meio de espinheiros ressecados do ano anterior que serão arados para baixo da terra, ou poderia simplesmente ser uma forma breve de se expressar que a semente foi semeada em um campo arado onde os espinhos posteriormente crescerão. Nenhuma tentativa foi feita para explicar o motivo por que os pássaros comeram somente as sementes que caíram a beira do caminho, e não as semeadas no campo, mas se, como indicam as evidencias, a pessoa que arava vinha logo após a que semeava, a semente no campo teria sido coberta antes de os pássaros poderem tê-la alcançado. No fim das contas, entretanto, essas perguntas não são importantes para a compreensão da parábola.


Tampouco deveríamos concluir, como fazem alguns comentaristas, que 3/4 das sementes eram desperdiçadas. Existe um equilíbrio entre três circunstancias de perda e três níveis de sucesso e uma ênfase considerável e colocada no perigo da perda, mas a quantidade de semente em cada caso não e especificada. Marcos utiliza o singular ho e auto (o pronome relativo neutro e o pronome pessoal neutro, respectivamente) para especificar a semente improdutiva (4.4-6), mas utiliza o plural em 4.8 para se referir a semente produtiva. Aparentemente a mudança para o plural, no caso de Marcos, a maior quantidade de sementes produtivas. Entretanto, Marcos utiliza o plural ao longo de toda a interpretação, Mateus utiliza o plural na parábola e o singular na interpretação, e Lucas apresenta o singular ao longo de toda a parábola (inclusive 8.8) e o plural na interpretação. Em nenhum dos relatos, entretanto, existe qualquer indicativo de que o agricultor esteja frustrado com as perdas. A imagem e um retrato realista das práticas agrícolas da antiguidade onde ocorriam perdas incidentais, particularmente quando se fala da Palestina, com o seu solo pouco espesso e recoberto de espinhos, mas onde colheitas abundantes também ocorrem.


5. A analogia trata de Deus que semeia pessoas em Israel ou de Deus que semeia a sua palavra? A verdadeira questão aqui e em que medida o contexto veterotestamentario - e qual contexto veterotestamentario - determina o significado da parábola. Alguns sugerem que a semente e uma metáfora fixa que se refere a Palavra de Deus e que as pessoas não precisavam de uma explicação para isso, mas este não e o caso. Outros defendem que os ouvintes não conheceriam o propósito da metáfora da semente enquanto este não fosse explicado. Não está claro o quanto os ouvintes teriam ficado na escuridão, mas, certamente, não havia qualquer uso fixo da metáfora. Como vimos anteriormente, o “semear” era utilizado de forma metafórica para se referir a instrução nos mundos greco-romano e judaico. A ocorrência da expressão lógos spermatikos (“palavra/principio gerador”) reforça a tese de que esta era uma metáfora comum para algumas pessoas. A semeadura poderia ser utilizada como uma metáfora para “o espalhar” ou “o distribuir” (por exemplo, Zc 10.9), porem ela e mais frequentemente utilizada para se referir a depósitos para crescimento futuro, “investimento”, seja com respeito a filhos seja a entidades positivas ou negativas. Ela também era utilizada para se referir a palavra de Deus (ou a Lei), aos segredos de Deus, aos ensinamentos humanos, a bondade, a paz, a justiça e a caridade, mas também para se referir ao semear de problemas, maldade e engano. Obviamente, em algumas parábolas do Novo Testamento a semente e uma metáfora para o Reino.


A metáfora de Deus semeando (ou plantando) pessoas e frequentemente utilizada no Antigo Testamento para se referir a Deus trazendo a prosperidade para o povo e, em especial, a restauração de Israel após o exilio. G. Lohfink enfatiza esse contexto de Deus semeando pessoas para gerar a restauração dos exilados a fim de argumentar contra a ênfase de que a parábola fala do semear da palavra feito por Deus. Ao contar a parábola, Jesus estaria, portanto, ilustrando a semeadura da comunidade do fim dos tempos. Precisamos admitir que e muito mais fácil demonstrar no Antigo Testamento que a semeadura de Deus e uma metáfora para a restauração dos exilados do que para a proclamação da Palavra. Talvez o texto mais forte seja Oseias 2.21-23: “...e estes responderão a Jezreel (Jezreel significa ‘Deus semeia). E semeá-la-ei para mim na terra...”, mas outras passagens expressam a mesma ideia. Observe as seguintes:


2 Rs 19.30; Is 37.31: O remanescente de Judá tornara a lançar raízes para baixo e dará fruto para cima.


Is 27.6: Jacó lançara raízes e enchera de fruto a face do mundo.


Is 43.5: “Trarei a tua semente desde o Oriente.”


Is 60.21: “E todos os do teu povo serão justos, para sempre herdarão a terra; serão renovos por mim plantados.”


Jr 24.5-7: “...assim conhecerei aos de Judá levados em cativeiro... e plantá-los-ei... e dar-lhes-ei coração para que me conheçam, porque eu sou o Senhor.”


Jr 31.27-28: “Eis que dias vem, diz o Senhor, em que semearei a casa de Israel e a casa de Judá com a semente de homens...” Cf. Ez 36.9; Os 14.5; 1° Enoque 62.8; 4° Esdras 8.41-44; 2 Baruque 70.2.


J. Liebenburg, entretanto, argumenta que Lohfink nao faz justiça a três falhas na parábola e insiste que a metáfora e o “semear via pregação”. Liebenburg admite que haja pouca evidencia no Antigo Testamento para a imagem de Deus semeando a sua palavra. A maioria das pessoas somente cita Isaías 55.10-11, mas esse texto fala da Palavra de Deus como sendo como uma chuva que concede a semente ao semeador, e não de Deus semeando a sua palavra. O único outro texto relevante e Isaías 5.24 (“assim será a sua raiz, como podridão, e a sua flor se esvaecera como po; porquanto rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos e desprezaram a palavra do Santo de Israel”).134 O que, para Liebenburg, define que a parábola trata mesmo da pregação de Jesus e a estrutura da parábola, suas metáforas convencionais e o contexto (em especial, Mc 4.3,9), que enfatiza o “ouvir”. Seguramente, para o evangelista a imagem e a de Jesus, como agente de Deus, semeando a Palavra de Deus.


Entretanto, o desmembramento da semeadura escatológica de pessoas por parte de Deus e da semeadura que Ele faz da sua palavra só acaba por nos criar uma falsa antítese. Uma semeadura escatológica de pessoas pressupõe pessoas que ouvem e respondem de forma obediente a Palavra de Deus ou são capacitadas por Deus para responder a Ele, como fica explicito em Jeremias 24.5-7 e 31.31-34. Isaías 6 e o único texto que reúne a preocupação com ouvir a Palavra de Deus com a ideia do remanescente como sendo uma semente santa. Se estivermos corretos quanto a Isaías 6 ser o molde no qual a parábola foi formada, então, não há necessidade de colocar uma divisão entre o “semear de pessoas” e o “semear da Palavra” por parte de Deus. E por intermédio do semear da palavra que o povo do final dos tempos será plantado.


6. Qual e o sentido e o significado dessa parábola e do seu contexto? A ênfase está colocada sobre o semeador; sobre a semente, sobre a terra ou sobre a colheita? Falando mais especificamente, o que ela nos revela a respeito do Reino? A esta altura, o sentido e o significado dessa parábola devem estar claros. Apesar do título dado por Mateus a essa parábola, a ênfase não recai sobre o semeador, que não e identificado em nenhuma das interpretações. Tanto a semente quanto a colheita são importantes, mas elas não estão no centro da mensagem. Outros obstáculos ao crescimento (tal como a estiagem ou as doenças) não são mencionados e a causa do fracasso não está na semente. A única variável que determina o sucesso ou o fracasso está na terra sobre a qual a semente cai. Além disso, qualquer interpretação valida precisa fazer justiça - não somente a colheita - mas a ênfase colocada no triplo fracasso, um fracasso que ocorre em estágios cada vez mais avançados no processo de crescimento. Apesar da popularidade da interpretação centrada na colheita escatológica, essa explicação e demasiadamente restrita e distorcida. A ênfase precisa recair sobre a receptividade e as condições do solo. E impossível determinarmos o que os ouvintes originais de Jesus teriam compreendido porque não sabemos quais foram os outros comentários feitos ou quais outras informações foram passadas em conexão com a parábola. Se a atenção fosse direcionada a proclamação do Reino, as pessoas podem ter entendido a parábola como uma referência a resposta das pessoas a mensagem. Alguns, em função da familiaridade com a imagem do ensinamento como um “semear”, provavelmente entenderam assim. O desafio para que as pessoas que tem ouvidos ouçam serviria de pista para que a ênfase estivesse na receptividade a palavra, mas alguns, sem refletir, inclusive os discípulos, podem não ter compreendido essa intenção. Mesmo que as pessoas soubessem que a parábola se tratava do ouvir a Palavra de Deus, não teriam visto sua importância enquanto a conexão com Isaías 6 não estivesse explicita.


A parábola e uma descrição de várias respostas ao “ouvir” a Palavra de Deus e, seguramente, retrata as reações que Jesus encontrou no seu próprio ministério. Perguntar se ela retrata Deus ou Jesus semeando e fazer uma falsa distinção. Se considerarmos as palavras de Jesus ou a redação dada por cada um dos evangelistas, a suposição e que Jesus seja o agente comunicador das palavras de Deus. A parábola adverte contra o ouvir superficial, mas ela também alimenta a expectativa do ouvir real e produtivo. O ouvir real e um ouvir que leva a obediência, e não deveríamos esquecer que o verbo hebraico correspondente a “ouvir” (sama’) e frequentemente traduzido como “obedecer”.


Em resposta a outras perguntas acerca da parábola feitas por pessoas prontas a obedecer, Jesus apontou para o tema da dureza de coração e para equivalências entre o seu ministério e o de Isaías. Nenhuma outra interpretação chega a ser, no mínimo, atraente. Como observou U. Luz, a interpretação moderna dessa parábola como sendo uma parábola de contraste que corresponde a teologia da graça oriunda da Reforma e que ajuda as pessoas a fugir da desesperança não corresponde ao que ela transmite. A reclamação de que a terra e passiva e somente um agricultor tolo exortaria o seu solo e descabida e pressupõe uma identidade entre a parábola e a realidade em vez de considerar que uma parábola sustenta um argumento baseado em uma analogia. Nem todas as partes da analogia apresentam uma correspondência no mundo real.


Os evangelistas - Marcos em especial - salientavam a ideia do ouvir, da receptividade a mensagem, como sua principal preocupação. A parábola e o seu contexto ecoam as ressonâncias do linguajar tradicional acerca da dureza de coração para que estas sirvam de desafio e advertência acerca da forma como as pessoas estavam reagindo a mensagem de Jesus pela qual Deus está executando o seu trabalho de semear a restauração. A verdadeira intenção de Marcos, que está bastante alinhada com a intenção de Jesus, e clara quando entendemos a forma como a passagem funciona como um todo. O versículo 3, com o seu apelo para que as pessoas ouçam, e uma intimação para que prestemos atenção. O final da parábola - “quem tem ouvidos para ouvir que ouça” - incita o ouvinte a prestar total atenção a mensagem, a penetrar nas profundezas da história e compreender o que está, realmente, sendo dito. Os versículos 10-12 descrevem o que acontecia tipicamente — observe os imperfeitos (eroton, “eles estavam perguntando”; elegen, “ele estava dizendo”). Quando as pessoas respondiam a mensagem das parábolas ao aderirem ao grupo de Jesus e procurando saber mais, elas recebiam mais revelação e explicação acerca do Reino; quanto aquelas que permaneciam no nível superficial, nenhuma outra revelação lhes era transmitida. Elas eram deixadas somente com parábolas que não cumpriam o seu objetivo de esclarecer. A falta de receptividade impedia o progresso delas.


A ênfase na receptividade da mensagem e verificada em 4.21-25 e na afirmação resumida de Marcos em 4.33,34. Os versículos 21-25 mostram que a mensagem de Deus está “oculta” nas parábolas para que possa ser esclarecida.146 As parábolas ocultam para que possam revelar - ou, como observou Kierkegaard, elas iludem a pessoa rumo a verdade. E justo afirmar que o versículo 22 expressa a intenção da seção como um todo acerca das parábolas: nada está escondido nas parábolas, salvo para que seja trazido as claras.


No versículo 23, as pessoas são estimuladas a penetrar na mensagem e ouvi-la de fato, e os versículos 24,25 alertam que as pessoas precisam ser cuidadosas acerca da forma como ouvem, pois ela determinara o seu destino. Com a medida que elas medirem lhes será acrescentado e a pessoa que já tem recebera ainda mais, ao passo que a pessoa que não tem perdera até mesmo o que tem. Esse tratamento aparentemente injusto quando visto da superfície descreve com exatidão o que os versículos 10-12 tratam, o processo do ouvir. A forma como as pessoas respondem as parábolas determina se uma revelação adicional lhes será concedida. Aquelas que respondem com um ouvir honesto recebem uma revelação adicional. Já aquelas que respondem com um ouvir superficial verão que até mesmo o que elas ouviram acabara não surtindo nenhum efeito. As parábolas tem a intenção de ir ao encontro das pessoas no seu nível e atrai-las para uma mensagem mais profunda. Algumas apelam, algumas iluminam, algumas desafiam e algumas são compostas de argumentos afiados e decisivos dirigidos a um público normalmente desatento, recalcitrante e de raciocínio lento, com o objetivo de levar as pessoas a ação. Mas todas buscam obter uma reação por parte deste público e toda são, em algum nível, reveladoras.


A afirmativa resumida contida em Marcos 4.33,34 indica que Jesus estava falando por meio de parábolas segundo o que podiam compreende. A partir desses dois versículos fica claro que Marcos considerava que as parábolas tinham por objetivo capacitar as pessoas a compreender, não o contrário, mas também que o ouvir as parábolas era somente o primeiro estágio do entendimento.


Para todos os três evangelistas, esta e a parábola que nos ajuda a compreender o Reino, e ela fala de três temas significativos. Em primeiro lugar, o Reino e um reino da palavra; ele envolve a proclamação a respeito de Deus e dos seus propósitos e ações. A linguagem cria um mundo e a proclamação do Reino torna possível uma nova realidade. E exatamente isso que está acontecendo com a pregação de Jesus. O Reino estava se tornando uma realidade. Em segundo lugar, o Reino apresenta um desafio a percepção e a reorientação da vida. As pessoas precisam ouvir e responder com um estilo de vida que “gere frutos”, ou seja, um estilo de vida marcado pela obediência a Deus conforme e revelado na mensagem de Jesus. Em terceiro lugar, o Reino esta, no momento presente, em ação e parcialmente estabelecido a medida que as pessoas respondem com uma fé obediente e passam a habitar o mundo criado pela proclamação. Ao “semear” esse tipo de pessoa Deus está cumprindo a promessa de restaurar Israel. A ênfase verdadeira está na geração de fruto. O único ouvir valido e o ouvir que produz. Tudo o mais está sujeito a acusação feita em Isaías 6,9,10.


As parábolas são destinadas tanto a pessoas quanto a nação, e em parte alguma isso fica mais claro do que no caso do Semeador e das outras parábolas encontradas em Marcos 4. Obviamente, o Semeador aborda a responsabilidade que a pessoa tem em ouvir. Mas, pelo menos de modo implícito, ela adverte a nação para que repita a falha cometida por Israel nos dias de Isaías, e também proclama que Deus está em ação no ministério de restauração de Israel implementado por Jesus. O Semeador e uma parábola estrutural que considera que o Reino está presente e em ação, uma parábola que, praticamente, intercede a favor do ouvir responsável e produtivo.


7. De que maneira o formato redacional de cada evangelista influenciou tom dessa parábola? O formato redacional de Marcos já foi analisado. A parábola funciona de forma similar em Mateus e Lucas para enfatizar o ouvir atento, mas não e tão incisiva quanto em Marcos. O formato redacional de Mateus (independentemente da questão da originalidade) e expresso com tanta forca quanto o de Marcos, ao passo que a redação implementada por Lucas e mais branda. As diferenças dos três relatos na composição da parábola, na sua interpretação e o material intermediário a respeito do objetivo das parábolas e, praticamente, insignificante. Lucas, como lhe e de costume, aperfeiçoou esse material, mas o significado e a função permanecem essencialmente os mesmos em nos três relatos. Mateus e Marcos dão ênfase a perseguição por causa da palavra, provavelmente refletindo a experiência da Igreja Primitiva, mas os esforços para enxergar aspectos específicos da vida e da teologia da igreja refletidos nas diferenças de redação, na melhor das hipóteses, são suposições.


Os relatos de Mateus e Lucas são mais brandos do que o de Marcos 4,10-12. Isso fica evidente no uso que Mateus faz de hoti em vez de hina e na omissão de Marcos 4.12c (“para que se não convertam, e lhes sejam perdoados os pecados”) em 13.13, apesar de ele incluir uma forma diferente dessa expressão na sua citação de Isaías 6.9,10 em 13.15. Lucas utiliza hina, mas não inclui, de forma alguma, Marcos 4.12c. Poderíamos considerar que a repetição da passiva divina dedotai (“dado”) em Mateus 13.11 incentiva o ensino da predestinação (Marcos e Lucas a apresentam somente uma vez). Mas isso pressupõe que a passagem fala algo acerca da predestinação, apesar de ela não perguntar o motivo por que o conhecimento dos mistérios do Reino foi dado a alguns e não a outros. A ênfase nos três relatos não está na predestinação, mas na revelação e na forma como respondemos a ela. Isso não significa que estamos subestimando a soberania de Deus ou o envolvimento dEle na capacitação das pessoas para ouvir a mensagem, mas somente que esse contexto como um todo e, em especial, a alusão a Isaías 6 desloca a ênfase para a responsabilidade humana.


Com respeito a redação de Mateus, não e verdade que esse evangelista enxergava as parábolas como uma forma de castigo em vez de uma forma de ensino, uma conclusão a que muitos chegam, em parte, porque Mateus não utiliza didaskein (“ensinar”), e que Marcos utiliza duas vezes em 4.1,2. Para Mateus, a rejeição de Jesus por parte de Israel e um fato consumado, não algo causado pelas parábolas. As parábolas também não são meramente uma condenação da dureza de coração; elas procuram atrair a atenção das pessoas para a sua mensagem. A forca das declarações negativas de 13-10-15 e, de certa forma, surpreendente, e, sem dúvida, resultado do arranjo temático de Mateus, mas não e verdade que até esse ponto da narrativa as multidões eram vistas somente de forma positiva. Várias passagens indicam que algumas pessoas viviam na ilusão ou que “esta geração” não estava disposta a receber a mensagem de Jesus (8.12, 21,22; 10.34-39; 11.16-24; 12.38-42). O capitulo da parábola reflete essa indisposição em ouvir, mas também procura persuadir as pessoas a ouvir tanto por intermédio de afirmações positivas acerca do valor do Reino quanto por declarações negativas acerca do juízo.

O arranjo que Mateus deu a esse material enfatiza não somente o ouvir, mas também o compreender. Ele utiliza o verbo synienai (“compreender”) cinco vezes em conexão com a parábola (13-13,14,15,19,23) e, a seguir, ao final do discurso das parábolas, Jesus pergunta aos discípulos se eles compreenderam essas coisas (13-51). Para Mateus, o ouvir verdadeiro significa compreender de um modo que transforme a nossa identidade e seja evidente em nossa obediência.


A influência teológica de Mateus se mostra mais ativa na estruturação que ele dá para o seu discurso em parábolas (13.1-52). O teor dos discursos inclui muito mais do que Marcos e Lucas, e tem o seguinte formato:


13.1- 3a Contexto


13. 3b-9 Parábola do Semeador


13.10-17 O objetivo das parábolas, que e mais extenso em Mateus e se concentra no cumprimento presente nos w. 16,17


13.18-23 Interpretação do Semeador


13.24-30 Parábola do Joio e do Trigo


13.31-33 Parábolas do Grão de Mostarda e do Fermento


13.34-35 O uso das parábolas


13.36-43 Interpretação do Joio e do Trigo


13.44-46 Parábolas do Tesouro Escondido e da Perola


13.47-50 Parábola da Rede


13.51-52 Tesouros Novos e Velhos


Disso tudo, Marcos apresenta somente o Semeador e o Grão de Mostarda, e somente ele incluiu a parábola da Semente. Lucas apresenta somente o Semeador, o Grão de Mostarda e a parábola do Fermento, mas colocou a do Grão de Mostarda e a do Fermento em um contexto diferente, depois da cura de uma mulher aprisionada por Satanás (13.18-21). Observe que Mateus apresente três grupos de “parábolas gêmeas” no capítulo 13: a parábola do Joio e do Trigo e a da Rede, a do Grão de Mostarda e a do Fermento, e a do Tesouro Escondido e da Pérola de Grande Valor.


Algumas pessoas dividem a seção de parábolas de Mateus em duas partes similares (vv. 1-35 e 36-52). Cada seção apresenta quatro parábolas (se 13.52 for uma parábola), uma descrição do contexto (vv. 1-3a e 36a), um excurso contendo uma interpretação detalhada (vv. 10-23 e 36b-43), e uma conclusão apropriada (vv. 34,35 e 51,52). A principal deficiência dessa abordagem e que a parábola do Joio e do Trigo e a sua interpretação são colocadas em duas seções diferentes. Uma divisão tripartida se mostra mais convincente: versículos 1-23,24-43 e 44-52. Cada seção apresenta, pelo menos, uma parábola (vv. 1-9, 24-33 e 44- 48), uma afirmação acerca das parábolas (vv. 10-17, 34,35 e 51,52) e uma interpretação de uma parábola (vv. 18-23, 36-43 e 49,50).


Ao reunir essas oito parábolas, Mateus descreve vários aspectos do Reino, cujo resumo precisara aguardar a análise das parábolas restantes. Contudo, a esta altura, já parece óbvia a posição de Mateus de que o Reino envolve uma proclamação que precisa ser recebida e vivenciada. A proclamação e uma afirmação a respeito da realidade que precisa ser crida e ter a permissão para ser uma forca moldadora das ações das pessoas. Mateus também diria que a chegada do Reino não elimina o mal, mas, um dia, envolvera uma separação entre justos e injustos; que o Reino parece desanimadoramente frágil e oculto, mas que terá um impacto avassalador, e que o Reino e mais valioso que tudo o mais e incorpora tanto o novo quanto as boas coisas velhas.


Mateus não somente descreve o caráter do Reino; ele também se concentra na rejeição de Israel a mensagem de Jesus. Enquanto Marcos apresenta a passagem fazendo um contraste entre o círculo exterior da família de Jesus e a sua verdadeira família antes da sua seção de parábolas e Lucas apresenta essa passagem depois do material paralelo, somente Mateus estrutura a sua seção de parábolas antes de tudo, deixando a passagem acerca da família de Jesus do lado de fora (12.46-50) e depois, com uma passagem acerca da família e da cidade de Jesus ficando ofendidas com as suas obras (13.53-58). Em Mateus, essa segunda passagem registra a última vez em que Jesus ensinou “na sinagoga deles” (13.54). Esse discurso não marca a rejeição de Israel a mensagem, nem a opção que Jesus faz pelos discípulos em detrimento de Israel. O tema da rejeição já está em voga desde o início do capítulo 11, especialmente a partir do versículo 16. As passagens estruturais acerca da resposta a mensagem de Jesus ajudam as parábolas a cumprir a sua função. A intenção de Mateus e de que as parábolas advirtam os leitores a não repetir a falha de Israel em não responder à mensagem do Reino, bem como ajudar as pessoas a compreenderem por que Israel rejeitou a mensagem de Jesus: pela dureza do seu coração, pela obra do Maligno, em função das preocupações mundanas e do dinheiro e pela aparente insignificância deste Reino recém-inaugurado. Mateus também coloca aqui uma ênfase no privilegio dos discípulos que veem e ouvem coisas que muitas pessoas desejaram ver e ouvir (13.16,17; Lc 10.23,24). O objetivo não e exaltar os discípulos, mas marcar o significado escatológico da pregação de Jesus.


A redação de Lucas vai muito além da simples organização e, a semelhança de Mateus, o arranjo que ele implementou ao material e o método utilizado para realçar a análise. Ele não apresenta Jesus ensinando em um barco aparentemente para evitar uma redundância com 5.3.164 Tal qual Mateus e Marcos, Lucas separa a parábola e a sua interpretação da análise do objetivo das parábolas e da citação de Isaías 6:9- Sua abordagem segue a seguinte linha:


8.4 Contexto (diferente dos outros relatos)


8.5-8 Parábola do Semeador


8.9,10 O objetivo das parábolas


8.11-15 Interpretação do Semeador


8.16-18 Adágios relacionados a luz e ao ouvir


8.19-21 A família são aqueles que ouvem e praticam a Palavra de Deus (essa passagem antecede a parábola do Semeador em Mateus e Marcos).


Lucas não enfatiza que Jesus analisava o objetivo das parábolas e a interpretação do Semeador em ambiente privado. Além da ênfase no Reino na declaração sobre o objetivo das parábolas (8.10), ele coloca a parábola em um contexto da pregação de Jesus acerca do Reino (8.1). Ele afirma, de modo explícito, que a semente e a Palavra de Deus e enfatiza o desafio a que se ouça a palavra ao informar que Jesus “clamava” as pessoas dizendo: “Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça”. Ele também acrescenta a necessidade de se agarrar com firmeza a palavra com perseverança (8.15), um tema que posteriormente volta a tona.


Adaptação da Parábola

Esta parábola e a sua interpretação são importantes porque elas apresentam a abordagem mais extensa acerca da receptividade a Palavra de Deus. O Reino e um reino da Palavra e a parábola trata da receptividade a Palavra. Ser um discípulo do Reino significa ouvir e permanecer concentrado na mensagem do Reino de tal forma que o discípulo passa a ser definido por ela. A chave para a formação espiritual e a disposição em ouvir, a pratica da disciplina no ouvir e a resposta apropriada a Palavra recebida.


O teor da mensagem não e tratado na parábola, mas pressupõe-se que o Reino está presente e traz novidade e potencialidade, exatamente como um agricultor deposita algo novo e com potencial ao enterrar as suas sementes. Essa novidade pode ser perdida, subestimada ou recebida, mas se for recebida ela gera o seu efeito. Algumas pessoas a receberão e a implementarão de forma bem-sucedida. A mensagem funciona como uma promessa a respeito de quem Deus e, do que Ele está fazendo e do que Ele fara por intermédio dos atos de Jesus. O semear na proclamação de Jesus e a restauração de Israel e o estabelecimento do Reino de Deus, mas a parábola também e uma advertência aos ouvintes para que não errem da mesma forma que Israel errou com Isaías, afinal eles estão diante de alguém que e maior que Isaias. Essa mensagem precisa de algo que vá muito além de uma atenção fortuita ou temporária; mas demanda um comprometimento total do nosso ser. Ela e um tipo de atenção que não partilha o palco com a riqueza e as preocupações da vida. Os fracassos precisam receber atenção da nossa parte, mas a parábola não diz respeito a eles, nem presume que o fracasso seja mais comum do que o sucesso. Ela e uma advertência contra o fracasso em ouvir a palavra e gerar fruto a partir dela.


A palavra que proclamamos não e a mesma palavra que Jesus proclamou e a nossa época não e a sua época. Ele proclamava o Reino presente e futuro com uma advertência e uma promessa a Israel. Esses aspectos continuam presentes para nós, mas foram alterados a luz da morte e ressurreição de Jesus. A Palavra continua enfatizando a revelação de Deus que se tornou conhecida por intermédio de Jesus, e a dinâmica do ouvir, da receptividade, da dureza de coração e da produtividade continua a mesma.


A parábola da ênfase tanto a receptividade quanto a geração de fruto. Duas das três semeaduras que falharam descrevem as pessoas que responderam positivamente a mensagem. Eles chegam a ouvir a mensagem com alegria, mas a sua atenção não vai além da superficialidade. Não basta recebermos o Reino com alegria - e esta e uma mensagem que a Igreja moderna precisa desesperadamente ouvir. A fé que e temporária e improdutiva não é fé verdadeira. A maior parte dos pastores ficaria muito contente se as pessoas recebessem a Palavra com alegria e fizessem declarações acerca da sua nova fé, só que essa parábola afirma que as pessoas podem receber a palavra com alegria e continuar sendo culpadas de estar com o coração endurecido. Todo ouvir que não resulte em um viver produtivo em relação ao Pai não e um ouvir valido. Como observou C. Keener: “As únicas conversões que contam no Reino são aquelas confirmadas por uma vida de discipulado”. O medo de que uma preocupação com um viver produtivo leve ao legalismo somente mostra o quanto as pessoas entenderam mal a mensagem de Cristo. Mas será que um ouvir a princípio receptivo que, eventualmente, se mostre inócuo, suscita a questão da segurança eterna? As pessoas ficam inquietas demais com a questão da segurança eterna em função de uma má compreensão da fé. Essa parábola não trata da questão da segurança eterna; ela levanta a questão do ouvir inadequado e improdutivo. As igrejas não devem ser cúmplices ao permitir que as pessoas considerem que uma resposta inicial desacompanhada de um viver produtivo represente uma fé salvífica.


A parábola do Semeador é escatológica porque personifica a atividade de Deus a semear o seu povo restaurado por intermédio da pregação de Jesus. Sugerir que a parábola ensine como lidar com o desespero ou que ela mostre que o milagre da atividade divina está no fracasso ou no cotidiano e desprezar a ênfase no ouvir. Essa parábola trata do ouvir que leva a um viver produtivo, e a adaptação da parábola significara a capacitação das pessoas a passarem de um mero “ouvir” da palavra - mesmo que isso ocorra com alegria - a um ouvir que as envolva por completo. As pessoas pensam que podem ter a aparência de um imponente carvalho, sem que tenham lançado raízes firmes. Quando elas se dão conta do esforço necessário para lançar essas raízes abaixo, contentam-se, normalmente, em ser meros arbustos espinhosos.


Texto extraído da Obra: Compreendendo Todas as Parábolas de Jesus, página 219 à 263 - Traduzido por Marcelo S. Gonçalves. Rio de Janeiro, CPAD, 2010 – Autor: Klyne Snodgrass.















 
 
 

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